Na última postagem sobre filosofia discorremos um pouco sobre Michel Foucault, um francês de pensamento estruturalista muito bem requisitado nos cursos de humanas e saúde mental Brasil a fora. E o que dizer, então, de Gilles Deleuze? Trata-se nada menos que um contemporâneo de Foucault de mesmo adjetivo pátrio. Deleuze, um poderoso affair da Nova Esquerda, é citado até mesmo em cursos de arquitetura. Foi professor de história da filosofia na Sorbonne (Paris) e está na lista negra de Alan Sokal e Jean Bricmont no Imposturas Intelectuais, mais precisamente no capítulo oitavo. Não está sozinho, contudo, boa parte do trabalho do filósofo está atrelado a um psicanalista de nome Félix Guattari. Juntos, Deleuze e Guattari, escreveram obras muito citadas como O Anti-édipo e Mil Platôs.
Tive certa dificuldade para acessar a obra de ambos, uma vez que não constam nem mesmo no volume terceiro de História da Filosofia de Giovanni Reale. A principal motivação, contudo, veio da frequente citação e pouco conhecimento tanto de Foucault como de Deleuze, além de recentes debates nos quais o filósofo foi posto à minha frente. Irei, portanto, discorrer brevemente e espero que suficientemente uma abordagem seminal desse quase aglutinado Deleuze-Guattari.
Em primeiro lugar, por estar presente em Imposturas Intelectuais, é de se imaginar que Deleuze e Gutattari façam parte da famigerada escola de pensamento moderna (pós-moderna, pós-estruturalista que seja) a qual alude bovinamente a todo tipo de conceitos matemáticos, físicos ou científicos em mistura com críticas sociais no estilo chic. Por exemplo, Deleuze, em Différance et répétition (1968) - texto que lhe rendeu o doutorado sob orientação de Gandillac e loas de Foucault -, há uma frequente alusão a alguns problemas de infinitesimais matemáticos (a derivada dy/dx ou a integral f(x) dx) que haviam sido levantados à época de Leibniz e Newton, mas que foram resolvidos por D'Alembert (1760) e Cauchy (por volta de 1820) com a introdução de uma rigorosa definição de limite (coisa que existe que qualquer livro o mais elementar de Cálculo). O que isso, pois, importa? Segundo Sokal e Bricmont, além de uma extensa divagação sobre um problema resolvido há mais de 150 anos, nada. A necessidade constante de Deleuze, Guattari, e outros como Lacan, Irigaray, Baudrillard... em recorrer a esses termos mais serve para confundir o leitor que, diante do quadro, pensa estar diante de uma filosofia incognoscível e sábia. Aos defensores de Deleuze e Guattari, basta a premissa de que eles mal entendem o que os "mestres" falam, de forma que, a linguagem é de toda tão amorfa que se acomoda a qualquer interpretação, tal qual Karl Marx é constantemente reescrito de acordo com a necessidade.
A dupla segue em outra obra, louvada por Foucault, Logique du sens (1969), rendendo extensas reflexões sobre... como uma membrana celular se comunica com o meio externo. Fora isso, não há qualquer outra coisa mais relevante no contexto. Transcreverei alguns trechos para os mais apaixonados (não se surpreendam com o engodo da fala ao não entenderem meia palavra):
[...] Um organismo não cessa de se contrair num espaço interior e de se expandir num espaço exterior - de assimilar e de exteriorizar. Porém as membranas não são menos importantes: elas carregam os potenciais e regeneram as polaridades. Elas põem em contato os espaços interior e exterior, independentemente da distância. O interior e o exterior, a profundidade e a altitude só tem valor biológico através desta superfície topológica de contato. Mesmo biologicamente, é necessário compreender que "o mais profundo é a pele". A pele dispõe de uma energia potencial vital e adequadamente superficial. E, tal como os eventos não ocupam a superfície, mas antes a frequentam, a energia superficial não está localizada na superfície, mas sem dúvida está ligada à sua formação e reformação. (DELEUZE 1969, pp.125-126, grifo do original).
Com efeito, a constante alusão a termos científicos, pseudocientíficos e filosóficos à esmo servem para confundir o leitor, de forma a posar de intelectual, enquanto na verdade não diz nada. Em Mil Platôs, entretanto, obra dividida em vários volumes, está, talvez, uma boa explicação para o vai-e-vem de Deleuze e Guattari. Há dois conceitos importantes discutidos ali chamados de Rizoma e de Ritornelo. Vale, contudo, citar antes que, para Deleuze, como dito em Qu'est ce que la Philosophie, a filosofia se responsabiliza por conceitos, enquanto a ciência por funções. Em outras palavras, Deleuze cria, com a noção de Ritornelo e Rizoma, dois novos conceitos epistemológicos.
Ritornelo (do italiano Ritornello), é na música algo como uma marcação ou refrão. Apropriando-se do termo, Deleuze e Guattari a utilizam como uma noção de eu interior e exterior, que se encontra no conceito de territorialização e desterritorialização. Resumidamente, as condições materiais, históricas, culturais etc. são responsáveis por um território ao self, de forma que, ao mudar-se essas condições ou ao mudar-se o próprio self, há o processo de territorializações/desterritorializações (algo bem hegeliano). É claro, que para isso, recorreu-se à psicanálise por meio de Guattari. A ideia de psicose, nesse sentido, e esquizofrenia (O Anti-édipo), seriam devidas à esse processo da perda de identidade. Até ai, há certo sentido, até a bela conclusão de que os loucos, sendo os extremos da normalidade, estariam no limite entre o normal e patológico. E aí, caros amigos, estamos vendo a intersecção exata entre Deleuze-Guattari e Foucault. O que vem, a posteriori, é a noção do antimanicômio e todas as suas complicações. Por exemplo, já ouvi citações sobre essa interpretação ao se aludir Joaquim Cardoso, calculista de Oscar Niemeyer (nosso arquiteto comunista, para quem não sabe, que após 1964 foi para a querida França), que foi chamado de louco justamente por quebrar padrões arquitetônicos da época ao desafiar a engenharia. Sobre essa imaginação de que os loucos são gênios, basta dizer que para cada um Glenn Gould, existem centenas de autistas que não produzem nada de excelso em termos de capacidade humana.
Por essa linha, Deleuze também defende, como exposto no L'abécédaire, entrevista concedida a Claire Parnet, que "a esquerda é um conjunto de processos do devir minoritário, a maioria é ninguém e a minoria é todo mundo". As coisas começam a ficar mais claras agora, não é mesmo? Por Rizoma, termo emprestado da biologia para uma espécie de raíz que da origem a brotos em qualquer ponto, Deleuze define que o conhecimento rizomático nada mais é que um processo sem fundamento preciso, de forma que cada broto seja, ao acaso, um conhecimento sem porque ou para que, apenas é. Na dicotomia clássica aristotélica entre o ser e o não-ser, há uma terceira via, para o deleuziano, a qual se definirá no processo. Uma ode ao pensamento hegeliano, ou a velha tese marxista se transmutando sobre novos nomes? Orai e vigiai.
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ResponderExcluirAí a pessoa acha que com um português polido e achismos (não da pra chamar de argumentos) vai desbancar grandes pensadores da história só por que eles são de esquerda e o comentarista é de direita. rsrsrsrrsrs sem comentários. Isso é que eu chamo de arrogância.
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