“Não se pode educar sem ao mesmo tempo ensinar; uma educação sem
aprendizagem é vazia e portanto se degenera, com muita facilidade, em
retórica moral e emocional.”
- Hannah Arendt
Todos devem estar bastante insatisfeitos com os ditames do MEC sobre a educação do país. Através dos currículos para escolas, universidades e exames o órgão já mostrou mais de uma vez o quanto aquém das reais necessidades instrucionais está. A negação da forma de pensar clássica, do trivium e do quadrivium medievais, são apenas algumas marcas da avassaladora pegada progressista, que a todo custo busca reestruturar a natureza humana para a reflexão vazia. Como publicado anteriormente no blog, o estelionato linguístico nada mais é que a tentativa de imprimir uma semântica behaviorista a uma certa expressão. Como se diz: "homofóbico". Aos ouvidos incautos soa, essa palavra, uma pintura obscena de "repressão, intolerância e ódio". Tudo dentro das aspas são, de certa forma, estelionato linguístico, assim como a palavra "social", metida em tudo, eleva ao púlpito excelso e a loas qualquer coisa. E esse fenômeno é apenas um braço do molusco que se espraia por desconstruir o belo (pela arte), a história, a literatura e, nesse caso, a língua. Onde, peremptoriamente, se insere pois a educação? É uma minúcia dentro dessa miríade audaciosa.
Os senhores podem ter ouvido falar já de Paulo Freire, autor de Pedagogia do Oprimido, cujo buço marxista imperou na esquerda brasileira. Poucos, entretanto, já ouviram falar de John Dewey, pedagogo da chamada escola Pragmática que publicou suas reflexões nos EUA. Uma fonte pitoresca para o entendimento de Paulo Freire. Hannah Arendt, filósofa alemã famosa por obras como Heichmann em Jerusalém e As Origens do Totalitarismo, analisou durante breve momento a pedagogia pragmática. Colocarei aqui alguns trechos modificados da Revista Sul-Americana de Filosofia e Educação sobre o exposto:
O texto educacional de Hannah Arendt (2000), A Crise na Educação, parte da
coletânea entre o passado e o futuro e compõe-se de quatro partes. Na primeira, grosso modo,
é contextualizada a crise no sistema educacional dos EUA, tendo em vista por um lado ser ela
participante da crise geral que acometeu o mundo moderno. Por outro, considerando a
educação face a existência histórica e política do país, ou nas palavras de Arendt (2000),
“enraizada na atitude política do país”. Nesse último aspecto, destaca o entusiasmo pelo novo
e pela igualdade como elemento intensificador da crise que, somado à aceitação servil e
indiscriminada de modernas teorias pedagógicas, tornam a crise ainda mais aguda.
Pelas palavras da própria Hannah Arendt:
"Assim, o que torna a crise educacional na América tão particularmente
aguda é o temperamento político do país, que espontaneamente peleja para
igualar ou apagar tanto quanto possível as diferenças entre jovens e velhos,
entre dotados e pouco dotados, entre crianças e adultos e, particularmente,
entre alunos e professores. É óbvio que um nivelamento desse tipo só pode ser efetivamente consumado às custas da autoridade do mestre ou às
expensas daquele que é mais dotado entre os estudantes [...] Em todo caso,
esses fatores gerais não podem explicar a crise [na educação] que nos
encontramos presentemente, nem tampouco justificam as medidas que as
precipitam"
(ARENDT, 2000, p. 229).
(ARENDT, 2000, p. 229).
O problema da crise na educação norte-americana é apresentado por Arendt (2000)
como fracasso ou renúncia do ser humano em relação à busca de respostas, pois esse juízo é o
bom senso ou “senso comum em virtude do qual nós e nossos cinco sentidos estão adaptados
a um único mundo comum a todos nós” (ARENDT, 2000, p. 227). A perda desse juízo é
visível na “radical revolução em todo o sistema educacional”, que sob o espectro de uma
educação progressiva, promoveu a derrubada súbita de “todas as tradições e métodos
estabelecidos de ensino e aprendizagem”, entre os anos de 1930 e 1950. “[...] o fato
importante é que, por causa de certas teorias, boas ou más, todas as regras do juízo humano
normal foram postas de parte” (ARENDT, 2000, p. 227).
Quanto ao que foi dito, John Dewey nos traz a seguinte colocação:
"A primeira função do órgão social que denominamos escola é proporcionar
um ambiente simplificado. Selecionando os aspectos mais fundamentais, e
que sejam capazes de despertar reações por parte dos jovens, estabelece a
escola, em seguida, uma progressão, utilizando-se dos elementos adquiridos
em primeiro lugar como meio de conduzi-los ao sentido e compreensão real
das coisas mais complexas. [...] Em segundo lugar, é tarefa do meio escolar
eliminar o mais possível os aspectos desvantajosos do ambiente comum,
que exercem influencia sobre os hábitos mentais. Cria um ambiente
purificado para a ação. [...] Toda sociedade vive atravancada, comumente,
com a galharia seca do passado e com outras coisas verdadeiramente
perniciosas. É dever da escola omitir tais coisas do ambiente que
proporciona, e deste modo fazer com que se neutralize sua influência no
âmbito social comum. [...] À proporção que a sociedade se torna mais
esclarecida, ela compreende que importa não transmitir e conservar todas
as suas realizações, e sim unicamente as que importam para uma sociedade
futura mais perfeita. [...] Em terceiro lugar, compete ao meio escolar
contrabalançar os vários elementos do ambiente social e ter em vista dar a
cada indivíduo oportunidade para fugir às limitações do grupo social em
que nasceu, entrando em contato vital com o ambiente mais amplo."
(DEWEY, 2009, p. 21-22, grifo meu)
Em virtude do exposto, é possível inferir que a raiz teórica da crise constatada por
Arendt é a não percepção de Dewey de que o ambiente social da criança não é natural. Nesse
sentido, o naturalismo deweyano é expressão conceitual da crise na educação. Ao ratificar a
existência de um mundo infantil e desenvolver um método cuja essência é atuar nesse mundo
e fazer do educador um mero estimulador, ou seja, reforçando ao máximo que o mundo dos
adultos está para a educação apenas como “capital utilizável” a fim de que o estudante possa
aplicar em uma “situação dele, educando”, Dewey não se dá conta de que o próprio “ambiente
social da criança” é em si artificial.
Sintetizado pela própria Arendt:
"Essa retenção da criança [em seu próprio mundo] é artificial porque
extingue o relacionamento natural [leia-se essencial] entre adultos e
crianças, o qual, entre outras coisas, consiste do ensino e da aprendizagem,
e por que oculta ao mesmo tempo o fato de que a criança é um ser em
desenvolvimento, de que a infância é uma etapa temporária, uma
preparação para a condição adulta"
(ARENDT, 2000, p. 233).
É pertinente, enfim, retornar à relação entre autoridade e responsabilidade. É pela
primeira que assumimos a segunda; recusar a uma, é esquivar-se da outra. Uma educação
pautada na autoridade, não é por isso arbitrária ou tirânica. Em Arendt (2000), o educador
cumpre com uma dupla responsabilidade: proteger o mundo daquele que é novo, a fim de
preservá-lo da ruína, e inserir a criança paulatinamente no velho mundo do qual é herdeira,
sem abandoná-la a si própria, onde ela poderá assumir sua condição de novidade e renovar o
mundo, exercendo com responsabilidade a sua liberdade.
http://periodicos.unb.br/index.php/resafe/article/viewFile/5208/4378
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