Na última postagem sobre filosofia discorremos um pouco sobre Michel Foucault, um francês de pensamento estruturalista muito bem requisitado nos cursos de humanas e saúde mental Brasil a fora. E o que dizer, então, de Gilles Deleuze? Trata-se nada menos que um contemporâneo de Foucault de mesmo adjetivo pátrio. Deleuze, um poderoso affair da Nova Esquerda, é citado até mesmo em cursos de arquitetura. Foi professor de história da filosofia na Sorbonne (Paris) e está na lista negra de Alan Sokal e Jean Bricmont no Imposturas Intelectuais, mais precisamente no capítulo oitavo. Não está sozinho, contudo, boa parte do trabalho do filósofo está atrelado a um psicanalista de nome Félix Guattari. Juntos, Deleuze e Guattari, escreveram obras muito citadas como O Anti-édipo e Mil Platôs.
Tive certa dificuldade para acessar a obra de ambos, uma vez que não constam nem mesmo no volume terceiro de História da Filosofia de Giovanni Reale. A principal motivação, contudo, veio da frequente citação e pouco conhecimento tanto de Foucault como de Deleuze, além de recentes debates nos quais o filósofo foi posto à minha frente. Irei, portanto, discorrer brevemente e espero que suficientemente uma abordagem seminal desse quase aglutinado Deleuze-Guattari.
Em primeiro lugar, por estar presente em Imposturas Intelectuais, é de se imaginar que Deleuze e Gutattari façam parte da famigerada escola de pensamento moderna (pós-moderna, pós-estruturalista que seja) a qual alude bovinamente a todo tipo de conceitos matemáticos, físicos ou científicos em mistura com críticas sociais no estilo chic. Por exemplo, Deleuze, em Différance et répétition (1968) - texto que lhe rendeu o doutorado sob orientação de Gandillac e loas de Foucault -, há uma frequente alusão a alguns problemas de infinitesimais matemáticos (a derivada dy/dx ou a integral f(x) dx) que haviam sido levantados à época de Leibniz e Newton, mas que foram resolvidos por D'Alembert (1760) e Cauchy (por volta de 1820) com a introdução de uma rigorosa definição de limite (coisa que existe que qualquer livro o mais elementar de Cálculo). O que isso, pois, importa? Segundo Sokal e Bricmont, além de uma extensa divagação sobre um problema resolvido há mais de 150 anos, nada. A necessidade constante de Deleuze, Guattari, e outros como Lacan, Irigaray, Baudrillard... em recorrer a esses termos mais serve para confundir o leitor que, diante do quadro, pensa estar diante de uma filosofia incognoscível e sábia. Aos defensores de Deleuze e Guattari, basta a premissa de que eles mal entendem o que os "mestres" falam, de forma que, a linguagem é de toda tão amorfa que se acomoda a qualquer interpretação, tal qual Karl Marx é constantemente reescrito de acordo com a necessidade.
A dupla segue em outra obra, louvada por Foucault, Logique du sens (1969), rendendo extensas reflexões sobre... como uma membrana celular se comunica com o meio externo. Fora isso, não há qualquer outra coisa mais relevante no contexto. Transcreverei alguns trechos para os mais apaixonados (não se surpreendam com o engodo da fala ao não entenderem meia palavra):
[...] Um organismo não cessa de se contrair num espaço interior e de se expandir num espaço exterior - de assimilar e de exteriorizar. Porém as membranas não são menos importantes: elas carregam os potenciais e regeneram as polaridades. Elas põem em contato os espaços interior e exterior, independentemente da distância. O interior e o exterior, a profundidade e a altitude só tem valor biológico através desta superfície topológica de contato. Mesmo biologicamente, é necessário compreender que "o mais profundo é a pele". A pele dispõe de uma energia potencial vital e adequadamente superficial. E, tal como os eventos não ocupam a superfície, mas antes a frequentam, a energia superficial não está localizada na superfície, mas sem dúvida está ligada à sua formação e reformação. (DELEUZE 1969, pp.125-126, grifo do original).
Com efeito, a constante alusão a termos científicos, pseudocientíficos e filosóficos à esmo servem para confundir o leitor, de forma a posar de intelectual, enquanto na verdade não diz nada. Em Mil Platôs, entretanto, obra dividida em vários volumes, está, talvez, uma boa explicação para o vai-e-vem de Deleuze e Guattari. Há dois conceitos importantes discutidos ali chamados de Rizoma e de Ritornelo. Vale, contudo, citar antes que, para Deleuze, como dito em Qu'est ce que la Philosophie, a filosofia se responsabiliza por conceitos, enquanto a ciência por funções. Em outras palavras, Deleuze cria, com a noção de Ritornelo e Rizoma, dois novos conceitos epistemológicos.
Ritornelo (do italiano Ritornello), é na música algo como uma marcação ou refrão. Apropriando-se do termo, Deleuze e Guattari a utilizam como uma noção de eu interior e exterior, que se encontra no conceito de territorialização e desterritorialização. Resumidamente, as condições materiais, históricas, culturais etc. são responsáveis por um território ao self, de forma que, ao mudar-se essas condições ou ao mudar-se o próprio self, há o processo de territorializações/desterritorializações (algo bem hegeliano). É claro, que para isso, recorreu-se à psicanálise por meio de Guattari. A ideia de psicose, nesse sentido, e esquizofrenia (O Anti-édipo), seriam devidas à esse processo da perda de identidade. Até ai, há certo sentido, até a bela conclusão de que os loucos, sendo os extremos da normalidade, estariam no limite entre o normal e patológico. E aí, caros amigos, estamos vendo a intersecção exata entre Deleuze-Guattari e Foucault. O que vem, a posteriori, é a noção do antimanicômio e todas as suas complicações. Por exemplo, já ouvi citações sobre essa interpretação ao se aludir Joaquim Cardoso, calculista de Oscar Niemeyer (nosso arquiteto comunista, para quem não sabe, que após 1964 foi para a querida França), que foi chamado de louco justamente por quebrar padrões arquitetônicos da época ao desafiar a engenharia. Sobre essa imaginação de que os loucos são gênios, basta dizer que para cada um Glenn Gould, existem centenas de autistas que não produzem nada de excelso em termos de capacidade humana.
Por essa linha, Deleuze também defende, como exposto no L'abécédaire, entrevista concedida a Claire Parnet, que "a esquerda é um conjunto de processos do devir minoritário, a maioria é ninguém e a minoria é todo mundo". As coisas começam a ficar mais claras agora, não é mesmo? Por Rizoma, termo emprestado da biologia para uma espécie de raíz que da origem a brotos em qualquer ponto, Deleuze define que o conhecimento rizomático nada mais é que um processo sem fundamento preciso, de forma que cada broto seja, ao acaso, um conhecimento sem porque ou para que, apenas é. Na dicotomia clássica aristotélica entre o ser e o não-ser, há uma terceira via, para o deleuziano, a qual se definirá no processo. Uma ode ao pensamento hegeliano, ou a velha tese marxista se transmutando sobre novos nomes? Orai e vigiai.
Cluster One - Pink Floyd
terça-feira, 30 de dezembro de 2014
segunda-feira, 29 de dezembro de 2014
Estatismo, Mas Pode Chamar de Ninrodismo ou de Idolatria Mesmo...
![]() |
Ninrode: idolatrado até mesmo por quem nem ouviu falar dele. |
O Estatismo parece ser uma religião no Brasil. Embora a situação não pareça ser muito diferente em outros países, o caso brasileiro parece ser de uma profundidade que espanta até mesmo quem sempre viveu aqui. Evidências disso são, por exemplo, as promessas feitas em campanhas eleitorais comprometendo-se a criar um "Estado forte" ou um "Estado eficiente", as quais parecem seduzir os ouvidos inocentes com um poder quase mágico. As pessoas bradam chavões do tipo "eu tenho direito à segurança", "direito à saúde", "direito à educação", crendo sem vacilar que é dever do todo-poderoso Estado suprí-las por completo. As pessoas comuns, ao que parece, crêem que por meio do Estado serão realizados plenamente os ideais de justiça, igualdade, fraternidade, união e solidariedade, e quando perguntadas sobre a maneira pela qual o Estado atingiria essa perfeição romântica, as resposas variam desde o inocente "não sei" até manifestações quase cínicas em favor de um Estado totalitário, que controla a vida de seus cidadãos do berçario da maternidade ao túmulo.
Antes de iniciar minhas colocações, entretanto, devo salientar que não se deve confundir o Estatismo com a crença na utilidade do estado. O primeiro se refere à crença implícita (ainda que desmentida no nível consciente) da infalibilidade do Estado; e se expressa naquela atitude mental comum nos dias atuais que consiste em querer depender do estado para tudo. O segundo é a simples convicção de que o Estado tem sim um papel importante na consolidação e manutenção das instituições, das liberdades, da cultura e da identidade íntima de uma nação.
Essa crença estatista (que já foi mencionada neste blog - http://blogjuces.blogspot.com.br/2014/12/estatismo-uma-questao-de-fe.html), que vê o Estado como um plenipotenciário juíz e provedor de beneces encontra um paralelo espantoso nas palavras de Hegel, quando disse que o Estado é "deus andando na Terra". E essa não é a única ocasião em que o autor da "Filosofia da História" se refere ao Estado nesse tom de reverência solene, pois esta frase não foi apenas um insight passageiro e sem importância em sua conhecida obra. Nas palavras de Olavo de Carvalho:
"[...] pesquisas recentes demonstraram que Hegel, que se declarava fiel protestante e nunca foi membro de qualquer grupo esotérico ou sociedade secreta, recebia no entanto dinheiro de agremiações maçônicas interessadas em promover a idéia de uma religião de Estado para se substituir à Igreja cristã (católica ou reformada)"[1].
Ou seja, o filósofo alemão sabia muito bem o que estava fazendo, e ainda que com as melhores intenções não tenha tido a noção exata das consequências daquilo que escrevia, ele se colocara
"[...] meio às tontas, a serviço da causa que mais nitidamente caracteriza a política do Anticristo sobre a Terra: investir o Estado de autoridade espiritual, restaurar o culto de César, banir deste mundo a liberdade interior que é o reino de Cristo"[1].
Sobre a maneira como o reino de Cristo pode ser impedido de ser alcançado, algo já foi falado em meu post anterior (http://blogjuces.blogspot.com.br/2014/12/ambientalismo-carta-da-terra-e.html), embora lá estivesse relacionado com a maneira como este reino é substituído por uma religião da "Terra". Este culto à "Gaia" e o Estatismo estarão, contudo, num futuro talvez não tão distante, numa simbiose sombria onde o Estado será o grande, tirânico e idolatrado gestor da vida e da atividade humana, e agirá em nome da "Terra" e sob o pretexto de cultuá-la e defendê-la. Esta simbiose, ao que parece, será ela própria a engrenagem mestra do governo mundial vindouro, e a maneira como tal quadro está sendo desenhado pode ser constatada a partir das leituras de [2] e [3].
Sobre a "restauração do Culto à César", contudo, há algo de mais profundo a ser dito. Nos trechos citados acima, Olavo de Carvalho cita o culto ao imperador como oposição frontal ao reino de Cristo provavelmente pelo fato de que o Messias viveu na Judéia, sob o jugo de Roma, e foi crucificado sob acusação de querer ser um novo "rei" para os judeus, fato que inclusive motivou os deboches que sofreu tanto de Herodes quando dos que O crucificaram, pondo sobre a sua cabeça a placa "ESTE É O REI DOS JUDEUS" (Cfr. Lucas 23:8-12 e 23:38). Não é neste momento, porém, que o Estatismo - em oposição ao Deus Criador - pode ser primeiramente constatado nas Sagradas Escrituras. Suas origens são muito mais longínguas e é bem provável que os maçons patrocinadores de Hegel soubessem disso (ver [5]).
Tudo começou (pra variar...) no Gênesis. No capítulo 10 do primeiro livro de Moisés temos uma primeira indicação disso, onde está escrito (grifos meus):
"E Cuxe [neto de Noé] gerou a Ninrode, o qual começou a ser poderoso na terra. Foi valente caçador diante do Senhor; daí dizer-se: Como Ninrode, poderoso caçador diante do Senhor. O princípio de seu reino foi Babel, Ereque, Acade e Calné, na terra de Sinar. Daquela Terra saiu ele para a Assíria e edificou Nínive, Reobote-Ir e Calá. E, entre Nínive e Calá, a grande cidade de Resém" (Gn. 10:8-12, versão Almeida Revista e Atualizada).
Algo muito importante a ser notado aqui é a citação de que Ninrode foi "valente caçador diante do Senhor". Na Bíblia Judaica Completa (traduzida do hebraico-aramaico-grego para o inglês por David H. Stern, e depois para o português), este mesmo trecho diz que ele foi "um caçador poderoso perante Adonai [Deus]". Note-se que os termos "diante" ou "perante", como se pode constatar a partir do exame de outras versões da Bíblia, não denotam apenas algo como "estar à frente", mas sim algo como estar à frente em oposição, num tom de desafio à Deus. Um exemplo disso pode ser visto na Bíblia Judaica Completa, onde no texto citado de Gênesis, está escrita a palavra "perante"; no livro de Jó, porém, enquanto a versão Almeida diz que os filhos de Deus vieram apresentar-se "perante" Ele, a versão Judaica diz que os filhos de Deus vieram "servir a Adonai" (Jó 1:6). Ou seja, há aqui uma diferença clara entre apresentar-se "para" Deus e apresentar-se "diante" ou "perante" Ele, onde esta segunda denota uma atitude de oposição ou conflito por parte de quem se apresenta. É importante salientar aqui que a versão Judaica está mais próxima dos textos originais do que a Versão Almeida, pois esta foi traduzida a partir de outras versões já traduzidas em outras línguas diferentes.
Sobre este trecho da Bíblia, João Calvino fez a seguinte declaração:
"A expressão "diante do Senhor" me parece declarara que Ninrode tentou se elevar acima da ordem dos homens; assim como os orgulhosos são levados por uma autoconfiança vã, que eles podem olhar para baixo como se estivessem assentados nas nuvens acima dos outros"[4].
Outro relato interessantíssimo sobre Ninrode pode ser encontrado no chamado Livro de Jasar (ou Livro de Jasher, ou ainda Livro dos Justos; disponível na internet). Este livro, embora não conste no cânone bíblico, é citado em Josué 10:13 e em II Samuel 1:18. Diversos trechos do referido livro (a partir do capítulo 7) falam a respeito de Ninrode, como e quando este nasceu, como se tornou forte e poderoso no período pós-diluviano, e como lutou várias guerras e saiu vencedor de todas elas. Cita inclusive que Terah, pai de Abraão, foi um de seus mais estimados subordinados, chegando a ser líder de uma fileira de soldados. O próprio livro cita ainda como Ninrode passou a ser idolatrado, sendo coroado rei sobre TODOS OS HOMENS, que vinham até ele atraídos por sua fama e glória, ofertando-lhe presentes e unido-se a ele. Nesta época, segundo o relato, Ninrode habitava a terra de Sinar (Sinear, Shinar ou Sh'nar).
O texto salienta também que foi Deus quem fez Ninrode prosperar, e que entregou nas mãos dele "todos os seus inimigos". No auge de seu poder, no entanto, Ninrode passou a se rebelear contra Deus, edificando altares de madeira e pedra e curvando-se ante aos tais, tornando-se assim o "homem mais perverso" que havia existido desde o Dilúvio. O trecho a seguir é de particular interesse e nos mostra como o Estatismo em oposição à Deus chegou ao ponto mais crítico:
"E o rei Ninrode reinou seguramente, e toda a terra estava sob seu controle, e toda a terra possuia uma só língua e [falava] palavras de união. E todos os príncipes de Ninrode e seus grandes homens tomaram juntos conselho; Phut, Mitzraim, Cush [Cuxe] e Canaan [Canaã] com suas famílias, e eles disseram uns aos outros: vamos construir nós mesmos uma cidade em uma grande torre, e [com] seu topo alcançando os céus, e nós iremos alcançar fama, tal que nós poderemos reinar sobre todo o mundo, de modo de que o mal de nossos inimigos poderá cessar contra nós, tal que poderemos reinar poderosamente sobre eles, e que nós não nos tornaremos espalhados sobre a terra por conta de suas guerras. E todos eles foram à presença do rei, e disseram ao rei estas palavras, e o rei concordou com eles neste caso, e ele assim o fez. E todas as famílias do conselho constituíram cerca de seiscentos mil homens, e eles foram buscar um extenso pedaço de terra para construir a cidade e a torre, e eles procuraram em toda a terra e não acharam nenhuma como o vale no leste da terra de Sinar; caminharam cerca de dois dias, e eles viajaram e habitaram ali. E começaram a fazer tijolos e queimar fogos para construir a cidade e a torre que eles tinham imaginado concluída. E a construção da torre foi-lhes uma transgressão e um pecado, e eles começaram a construí-la, e enquanto eles estavam construindo contra o Senhor Deus do Céu, imaginaram em seus corações para a guerra contra Ele e para subir ao céu." (Jasher 9:20-25, tradução minha)
Nem é preciso dizer mais nada, o restante da história é bem conhecido e está registrado em Gênesis 11, onde se relata a subsequente confusão das línguas imposta por Deus a fim de parar este projeto infame da Torre de Babel. E a partir de tudo o que foi citado, o Estatismo em oposição ao Deus Criador já pode ser claramente entendido como um culto ao próprio Anticristo, como já havia sido antecipado num dos parágrafos anteriores deste artigo. E o que é mais perigoso e alarmante é o fato de que muitos cristãos estão sendo influenciados por ideologias de esquerda claramente estatizantes, e que no fim conduzem inexoravelmente ao Estatismo a que estamos nos referindo. O Pr. John Weaver faz uma crítica aos cristãos de seu país (EUA) que caberia muito bem no caso do Brasil (onde ele diz "estadismo", entende-se Estatismo no sentido que aqui demos à palavra, e isto pode ser visto na leitura da referência):
"Existe uma religião pró-estadismo neste país. Muitas vezes essa religião pró-estadismo desfila debaixo do guarda-chuva do Cristianismo. Nós nos esquecemos, negligenciamos e nos afastamos tanto da Palavra de Deus que na verdade não conhecemos, nem reconhecemos o Cristianismo bíblico. Sofremos tanta lavagem cerebral e recebemos tanta propaganda ao ponto de nem mesmo reconhecermos que o cidadão comum e o cristão professo comum são nada mais, nada menos, do que bons "pequenos militantes do estadismo". Professamos ser cristãos, expressamos um desejo de agir como cristãos, mas a verdade continua e nossas atitudes e ações traem nossa profissão de fé. Falamos uma coisa e vivemos outra. Professamos a verdade, mas vivemos uma mentira"[4].
Se alguém ainda tem dúvidas quanto à pretenção de se criar um governo mundial inspirado em Ninrode e na Torre de Babel, confira a imagem abaixo e leia a referência [6], além das que já citei.
![]() |
Em inglês: "Europa: muitas línguas, uma voz". Dispensa mais legendas... |
Acredito já estar claro que no fim de todo o Estatismo está a idolatria - cega ou não - à Ninrode, ao próprio Anticristo vindouro, e seu reino já está sendo preparado pelos seus seguidores, seja pelas vias políticas (ONU, UE, internacionais socialistas como o Foro de São Paulo, etc.) ou pelas vias religiosas (Carta da Terra, seitas ambientalistas). E ainda que haja entre os acadêmicos uma discordância irreconciliável sobre a veracidade dos fatos aqui mencionados, os mesmos são, no fundo, os inspiradores da maior parte das políticas ditas "humanitárias" e da existência de boa parte de órgãos internacionais. Resta agora saber: nos renderemos frente à gigantesca e monstruosa aparência do mal que nos cerca, nos confundiremos e nos perderemos no Estatismo ou procuraremos a Verdade, manifestada na Pessoa de Cristo ratificada por seus ensinamentos e obras? Agora e como sempre foi, a pergunta de Cristo aos seus discípulos é direta: "Quem vocês acham que eu Sou"? O Apóstolo Pedro respondeu corretamente, e a resposta está longe, muito longe do Estatismo.
Referências:
[1] "O Jardim das Aflições". Olavo de Carvalho. Disponível em: http://portalconservador.com/livros/Olavo-de-Carvalho-O-Jardim-das-Aflicoes.pdf
[2] "Poder Global e Religião Universal". Mons. Juan Claudio Sanahuja. Ed. Ecclesiae, 2012.
[3] "Contra o Cristianismo - A ONU e a União Européia como Nova Ideologia". Lucceta Scaraffia e Eugenia Rocella. Ed. Ecclesiae, 2014.
[4] "Estadismo - A Religião de Ninrode". Pr. John Weaver. Disponível em: http://www.espada.eti.br/estadismo.asp
[5] "A Maçonaria É Realmente Uma Religião?". Disponível em: http://www.espada.eti.br/n1144.asp
[6] "Lugares Sinistros: O Parlamento Europeu". Disponível em: http://midiailluminati.blogspot.com.br/2014/03/lugares-sinistros-o-parlamento-europeu.html
domingo, 28 de dezembro de 2014
Psicologia do Ateísmo - Despertai Bereanos
Link da postagem original: http://despertaibereanos.blogspot.com.br/2008/05/psicologia-do-atesmo-paul-vitz-phd.html
Texto Original: http://www.leaderu.com/truth/1truth12.html
Tradução: Vitor Grando
Resumo: Nesse artigo Paul Vitz se contrapõe aos psicólogos da religião e suas tentativas de desvendar as origens psicológicas das crenças religiosas. Paul Vitz examina as raízes psicológicas do ateísmo e questiona a validade das conclusões de Sigmund Freud, e Feurbach, em relação à religião. Artigo essencial para não só psicólogos mas todos interessados em religião e cultura. Professor Paul Vitz, Ph.D (Stanford University, 1962) é professor de Psicologia da Universidade de Nova Iorque. É membro da Comunidade de Acadêmicos Católicos e mantêm contato com muitos Protestantes, e Judeus. Além disso estuda como a religião se relaciona com a psicologia, e também se envolve na temática psicologia e arte.
O título desse ensaio, “Psicologia do Ateísmo”¹, pode parecer estranho. Certamente, meus colegas na psicologia acharam incomum e até, devo acrescentar, um pouco perturbador. A psicologia, desde sua fundação há um século atrás, freqüentemente se preocupou com o tópico oposto – a psicologia da crença religiosa. De fato, em muitos aspectos a origem da psicologia moderna está intrinsecamente ligada com os psicólogos que explicitamente propuseram interpretações da crença em Deus.
William James e Sigmund Freud, por exemplo, estavam pessoal e profissionalmente envolvidos profundamente na questão. Lembre-se de A Vontade de Crer de James, como também do seu famoso As Variedades das Experiências Religiosas. Essas duas obras são tentativas de entender a crença como resultado de causas psicológicas, ou seja, causas naturais. James pode até ter sido compassivo com a religião, mas sua posição pessoal era de dúvida e ceticismo e seus escritos eram parte de uma tentativa psicológica de menosprezar a fé religiosa. As criticas de Sigmund Freud à religião, especialmente o cristianismo, são bem conhecidas e serão discutidas com mais detalhes mais a frente. Por hora, é suficiente lembrar quão profundamente envolvidos com a questão de Deus e a religião, Freud e seus pensamentos estavam.
Tendo em vista o estreito envolvimento entre os fundadores da psicologia e a interpretação critica da religião, não é de se surpreender que muitos dos psicólogos vejam com certa desconfiança qualquer tentativa de propor uma psicologia do ateísmo. No mínimo, um projeto como esse coloca os psicólogos na defensiva e os oferece um pouco do seu próprio veneno. Os psicólogos estão sempre observando e interpretando os outros e já é hora de alguns deles aprenderem a partir de suas próprias experiências como é estar sob a mira da teoria e experimentação psicológicas. Eu espero demonstrar que muitos dos conceitos psicológicos utilizados para interpretar a religião são espadas de dois gumes, que podem também ser usados para interpretar o ateísmo. O que vale para o crente, igualmente vale para o descrente.
Antes de começar, entretanto, eu quero fazer dois pontos que estão por trás das minhas pressuposições. Primeiro, eu creio que as maiores barreiras para a crença em Deus não são racionais, mas – num sentido geral – podem ser chamadas de psicológicas. Não quero ofender nenhum filósofo distinto – tanto crentes quanto descrentes – nesse auditório, mas eu estou plenamente convencido que para cada pessoa fortemente convencida por argumentos racionais existem muitas, muitas mais afetadas por fatores psicológicos não-racionais.
Ninguém pode decifrar o coração humano e seus caminhos, mas ao menos é tarefa da psicologia tentar. Dessa forma, para começar, eu proponho que barreiras neurótico-psicológicas para a crença em Deus são de grande importância. Quais são elas mencionarei brevemente. Para os crentes é importante ter em mente que motivações e pressões psicológicas que muitos podem nem sequer se dar conta, muitas vezes estão por trás da descrença.
Um dos mais antigos teóricos do inconsciente, São Paulo, escreveu, “com efeito o querer bem está em mim, mas o efetuá-lo não está...mas vejo nos meus membros outra lei guerreando contra a lei do meu entendimento, e me levando cativo à lei do pecado, que está nos meus membros” Romanos 7.18,23. Assim, me parece que tanto pela teologia quanto pela psicologia fatores psicológicos podem ser impedimentos à crença como também ao comportamento, e que esses fatores freqüentemente são inconscientes. Além disso, é razoável dizer que as pessoas variam extensamente na intensidade da presença desses fatores em suas vidas. Alguns de nós fomos abençoados com uma boa criação, um bom temperamento, envolvimento social, e outros dons que fizeram da crença em Deus algo muito mais fácil do que para muitos que sofreram mais ou cresceram num ambiente pobre espiritualmente ou tiveram outras dificuldades com as quais lidar. As Escrituras deixam claro que muitas crianças – até a terceira ou quarta geração – sofrem dos pecados dos pais, incluindo os pecados dos pais que foram crentes. Resumidamente, meu primeiro ponto é que algumas pessoas têm barreiras psicológicas para a crença muito mais sérias do que outras, um ponto consistente com a afirmação clara das Escrituras de que nós não devemos julgar os outros, entretanto somos instados a corrigir o mal.
Meu segundo ponto é que apesar de sérias dificuldades para a crença, todos nós ainda temos a livre escolha de aceitar Deus ou rejeitá-lo. Esse ponto não está em contradição com o primeiro. Talvez um pouco mais de elaboração vai esclarecer esse ponto. Uma pessoa, como conseqüência do seu passado, envolvimento presente, etc., pode achar muito mais difícil acreditar em Deus do que a maioria das pessoas. Mas presumivelmente, a qualquer momento, certamente em muitos momentos, ela pode escolher se mover em direção a Deus ou pra longe dele. Um homem pode começar com tantas barreiras que mesmo depois de anos caminhando vagarosamente em direção a Deus ele ainda não esteja lá. Alguns podem morrer antes de alcançar a crença. Nós acreditamos que eles serão julgados – como todos nós – quão longe eles viajaram em direção a Deus e quão bem amaram os outros – o que eles fizeram com o que lhes foi dado. Da mesma forma, um outro homem sem dificuldades psicológicas ainda é livre para rejeitar Deus, e sem dúvidas muitos o fazem. Assim, apesar de que no fundo a questão é da vontade do homem e de nossa natureza pecaminosa, ainda é possível investigar os fatores psicológicos que predispõe alguém para a descrença, que faz a estrada em direção a Deus dura e difícil.
Psicologia do Ateísmo: Motivações Psicológicas e Sociais
Parece haver uma crença bem difundida na comunidade intelectual ocidental de que a crença em Deus é baseada em todos os tipos de desejos e necessidades imaturas, mas o ateísmo e o ceticismo são derivados de uma observação racional das coisas como elas são realmente. Para começar uma critica dessa idéia, eu começo com a minha própria história.
Como alguns de vocês sabem, depois de uma frágil criação cristã, eu me tornei ateu na faculdade nos anos 1950 e permaneci assim durante minha graduação e meus primeiros anos como um jovem psicólogo experimental na New York University. Isto é, eu sou um convertido adulto ou, mais tecnicamente, um reconvertido ao Cristianismo que voltou para a fé, para sua própria surpresa, no final dos meus 30 anos no meio do desenvolvimento secular da psicologia acadêmica em Nova Iorque.
Não estou entrando nisso para entediá-los com partes da história da minha vida, mas para mostrar que através da reflexão sobre minha própria experiência, é claro para mim que as minhas razões para se tornar e permanecer ateu-cético dos 18 aos 38 anos foram superficiais, irracionais e sem integridade moral e intelectual. Além do mais, eu estou convencido de que minhas motivações foram, e ainda são, um lugar comum entre os intelectuais especialmente cientistas sociais.
Os principais fatores envolvidos na minha escolha pelo ateísmo – apesar de eu não estar ciente na época – foram as seguintes:
Socialização geral. Uma influência importante na minha juventude foi uma significante inquietação social. Eu estava de certa forma envergonhado de ser do centro-oeste, pois parecia terrivelmente obtuso, limitado e interiorano. Não havia nada de romântico ou impressionante em ser de Cincinnati, Ohio e de uma origem Germano-Anglo-Suiça. Terrivelmente classe-média. Além de escapar do obtuso, e segundo eu mesmo sem-valor, passado social vergonhoso, eu queria fazer parte, de fato estar confortável no novo, excitante e glamuroso mundo secular para o quão eu estava me dirigindo. Eu estou certo de que motivações similares fortemente influenciaram as vidas de um sem-número de jovens emergentes nos últimos dois séculos. Veja Voltaire, que se mudou para o aristocrático e sofisticado mundo de Paris, e que sempre se sentiu envergonhado de sua origem interiorana e não-aristocrática; ou dos guetos Judeus para os quais muitos judeus fugiram, ou da chegada dos jovens a Nova Iorque, envergonhados de seus pais fundamentalistas. Esse tipo de pressão social afastou muitos da crença em Deus e tudo com o que a crença nele está relacionada.
Eu me lembro de um pequeno seminário na minha graduação no qual quase todos os membros expressavam algum tipo de vergonha devido às pressões da socialização na “vida moderna”. Um estudante tentava fugir de seu passado Batista, um outro de uma comunidade Mórmon, um terceiro fugia de seu gueto judeu, e o quarto era eu.
Socialização especifica. Uma outra grande razão para eu querer me tornar ateu foi que eu desejava ser aceito pelos poderosos e influentes cientistas do campo da psicologia. Em particular, eu queria ser aceito pelos meus professores. Como um estudante eu estava profundamente socializado com a cultura de pesquisa da psicologia acadêmica. Meus professores em Stanford, apesar de discordarem muito entre si no que se refere às teorias psicológicas, estavam unidos em apenas duas coisas – uma intensa ambição profissional e a rejeição da religião. Como diz o salmista, “Pois o ímpio gloria-se do desejo do seu coração, e o que é dado à rapina despreza e maldiz o Senhor. Por causa do seu orgulho, o ímpio não o busca; todos os seus pensamentos são: Não há Deus”.(Salmo 10.3-4).
No desenvolver disso tudo, assim como eu aprendi a me vestir como um estudante universitário colocando as roupas adequadas, eu também aprendi a “pensar” como um psicólogo adotando as idéias e atitudes corretas – isto é, idéias e atitudes ateístas.
Conveniência pessoal. Finalmente, nessa lista de superficiais, mas não menos fortes pressões irracionais para se tornar ateu, eu devo listar simplesmente a conveniência pessoal. A verdade é que é bastante inconveniente ser um crente devoto na cultura poderosa e neo-pagã da atualidade. Eu teria que abrir mão de muitos prazeres e de tempo útil. Sem entrar em detalhes não é difícil de imaginar os prazeres sexuais que teriam que ser rejeitados se eu me tornasse um crente devoto. E também eu sabia que me custaria tempo e algum dinheiro. Haveria cultos, grupos de comunhão, tempo de oração e leitura das Escrituras, tempo gasto ajudando os outros. Eu já estava por demais ocupado. Obviamente, se tornar religioso seria uma verdadeira inconveniência.
Agora talvez você pense que razões como essas estão restritas a jovens imaturos – como eu nos meus vinte e poucos anos. Entretanto, essas razões não são tão restritas. Tomo como exemplo o caso de Mortimer Adler, um conhecido filósofo Americano, escritor, e intelectual que gastou boa parte de sua vida pensando sobre Deus e a temática religiosa. Um de seus livros mais recentes é intitulado How to Think About God: A Guide for the 20th Century Pagan (1980) (Como pensar sobre Deus: Um guia para o pagão do século XX). Nessa obra, Adler examina minuciosamente os argumentos para a existência de Deus e nos capítulos finais ele está próximo a aceitar o Deus vivo. Ainda assim ele recua e continua entre “a vasta companhia dos religiosos não-comprometidos) (Graddy, 1982). Mas Adler deixa a impressão de que essa decisão é mais da vontade do que do intelecto. Como um de seus resenhistas notou (Graddy, 1982), Adler confirma essa impressão em sua autobiografia, Philosopher at Large (1976). Nessa obra, enquanto investiga as razões para já duas vezes parar quando esteve próximo de um comprometimento religioso, ele escreve que a resposta “está na vontade, e não na mente”. Adler vai além e comenta que se tornar seriamente religioso “requereria uma mudança radical no meu estilo de vida...” e “A verdade simples da questão é que eu não desejava viver como uma pessoa genuinamente religiosa” (Graddy, p.24).²
Ai está! Uma memorável admissão honesta e consciente de que ser “uma pessoa genuinamente religiosa” seria muito problemático e muito inconveniente. Tais são as razões por detrás de muito do ceticismo dos descrentes.
Resumidamente, por causa das minhas necessidades sociais, por causa das minhas necessidades profissionais de ser aceito como parte da psicologia acadêmica, e por causa das minhas necessidades por um estilo de vida conveniente – por todas essas necessidades o ateísmo era simplesmente a melhor escolha. Refletindo sobre essas motivações, eu posso afirmar honestamente que um retorno ao ateísmo é o mesmo do que um retorno à adolescência.
A Psicologia do Ateísmo: Motivações psicanalíticas.
Como sabemos, o centro da critica Freudiana à crença em Deus é que tal crença não é confiável por causa de sua origem psicológica. Isto é, Deus é uma projeção de nossos próprios e intensos desejos inconscientes; Ele é a satisfação de um desejo derivado das necessidades infantis de proteção e segurança. Visto que esses desejos são inconscientes, não deve ser dado muito crédito a qualquer negação de tal interpretação. Devemos notar que ao desenvolver esse tipo de crítica, Freud formulou um argumento ad hominem de grande influência. É na obra O Futuro de Uma Ilusão (1927, 1961) que Freud explica sua posição:
Idéias religiosas surgiram das mesmas necessidades de que surgiram todos as conquistas da civilização: da necessidade de defender-se da impetuosa e superior força da natureza. (p.21)
Logo, crenças religiosas são:
Ilusões, satisfação dos mais antigos, mais fortes, e urgentes desejos da raça humana... Como já sabemos, a pavorosa impressão de abandono na infância fez surgir o desejo de proteção – de proteção pelo amor – que foi provida pelo pai... Dessa forma a benevolente regra de Providência Divina apazigua nosso medo dos perigos da vida. (p.30)
Vamos examinar esse argumento cuidadosamente, pois apesar da aceitação entusiástica do argumento pelos ateus e céticos não-críticos, é um argumento muito frágil.
No primeiro parágrafo Freud falha em notar que seu argumento contra as crenças religiosas é, em suas próprias palavras, igualmente válido contra todas as conquistas da civilização, incluindo a própria psicanálise. Isto é, a origem psíquica de uma conquista intelectual invalida sua veracidade, então a física, a biologia, e a própria psicanálise, são vulneráveis a mesma acusação.
No segundo parágrafo Freud faz outra alegação estranha, de que os mais antigos e urgentes desejos da humanidade são de proteção e orientação amorosa por um poderoso Pai de amor, pela divina Providência. Entretanto, se esses desejos fossem tão fortes e antigos como ele alega, era de se esperar que as religiões pré-cristãs enfatizassem Deus como um pai benevolente. Em geral, isso é bem distante do caso das religiões pagãs do mundo Mediterrâneo - e, por exemplo, ainda não é o caso em muitas religiões populares como o Budismo ou o Hinduísmo. De fato, o Judaísmo e mais especificamente o Cristianismo são em muitos aspectos distintos em sua ênfase em Deus como um Pai de amor.
Entretanto, deixemos de lado essas duas gafes intelectuais e voltemos para um outro entendimento da teoria da projeção de Freud. Pode ser demonstrado que essa teoria não é realmente parte integrante da psicanálise - e, dessa forma não tem a teoria psicanalítica como fundamento de apoio. É essencialmente um argumento autônomo. De fato, a atitude crítica de Freud em relação à religião é enraizada em suas predileções pessoais e é um tipo de meta-psicanálise - ou se origina em fundamentos sem relação com seus conceitos clínicos. (Essa separação ou autonomia em relação a muito da teoria psicanalítica muito provavelmente é responsável pela influência do argumento fora do âmbito da psicanálise). Existem duas evidências para essa interpretação da teoria da projeção.
A primeira é que essa teoria foi articulada claramente muitos anos antes por Ludwig Feurbach em seu livro A Essência do Cristianismo (1841, 1957). A interpretação de Feurbach foi popular no meio dos intelectuais europeus, e Freud, quando jovem, lia Feurbach avidamente (veja Gedo & Pollock, 1976, pp.47,350) Seguem algumas significativas citações de Feurbach que esclarecem isso:
O que o homem sente necessidade - seja essa uma necessidade articulada, portanto consciente, ou uma necessidade inconsciente - é Deus (1841, 1957, p. 33)
O homem projeta sua natureza no mundo exterior a si mesmo antes de encontrá-lo dentro de si (p.11)
Viver por meio de sonhos projetados é a essência da religião. A religião sacrifica a realidade em prol do sonho projetado. (p. 49)
Muitas outras citações de Feurbach poderiam ser usadas para descrever a religião em termos "Freudianos" como satisfação-de-desejo (wish-fulfillment), etc. O que Freud fez com esse argumento foi reconstruí-lo em uma forma mais eloqüente, e publicá-lo num período posterior onde a audiência ansiosa por ouvir uma teoria como essa era muito maior. E, é claro, de alguma forma as descobertas e a própria teoria psicanalítica foram utilizadas como se apoiassem fortemente a teoria. O caráter Feurbachiano da posição de Freud que taxa a religião de ilusão é demonstrado também em noções como "a esmagadora força superior da natureza" e a "apavorante impressão de desamparo na infância", que não são psicanalíticas em terminologia ou sentido.
A outra evidência que comprova que as bases da teoria da projeção não são psicanalíticas, vem diretamente do próprio Freud, que explicitamente afirma isso. Numa carta escrita em 1927 para seu amigo Oskar Pfister (um antigo psicanalista e pastor protestante), Freud escreveu:
Vamos ser bem claros quanto à questão de que as opiniões difundidas em meu livro (O Futuro de uma Ilusão) não são parte da teoria analítica. São minhas visões pessoais. (Freud/Pfister, 1963, p; 117)
Há outra interpretação um pouco diferente da crença em Deus que Freud desenvolveu também, mas apesar de essa teoria ter um certo embasamento psicanalítico, é na verdade, ainda, uma adaptação da teoria Feurbachiana da projeção. É a interpretação negligenciada de Freud quando ao ego ideal. O super-ego, incluindo o ego ideal é o "herdeiro do complexo de Édipo", representando a projeção de um pai idealizado e presumivelmente do Deus-Pai (veja Freud, 1923, 1962, pp. 26-28; p.38)
A dificuldade aqui é que o ego ideal não recebeu muita atenção ou desenvolvimento nos escritos de Freud. Além do mais, é facilmente interpretado como uma adoção da teoria da projeção de Feurbach. Assim, podemos concluir que a psicanálise na verdade não provê conceitos teóricos significativos para caracterizar a crença em Deus como neurótica. Freud tanto usou a antiga teoria de projeção ou ilusão de Feurbach como incorporou Feurbach em sua noção de ego ideal. Presumivelmente, essa é a razão por que Freud reconheceu a Pfister que seu livro O Futuro de uma Ilusão, não é parte integrante da psicanálise
Ateísmo como Satisfação-de-Desejo Edipiano
Apesar de tudo, Freud de certa forma está certo ao se preocupar que a crença em Deus possa ser uma ilusão por se derivar de desejos poderosos - tanto necessidades inconscientes quanto infantis. A ironia é que ele claramente proveu uma poderosa e nova forma de entender as bases neuróticas do ateísmo. (Para um desenvolvimento detalhado dessa posição veja Vitz e Gartner, 1984a, b; Vitz, 1986, in press.)
O Complexo de Édipo
O conceito central na obra de Freud, além do inconsciente, é o bem conhecido complexo de Édipo. No caso do desenvolvimento da personalidade masculina, os aspectos essenciais desse complexo são os seguintes: Por volta do período que vai dos três aos seis anos o filho desenvolve um forte desejo sexual pela mãe. Ao mesmo tempo o filho desenvolve um intenso ódio e medo do pai, e um desejo de substituí-lo, uma "ânsia por poder". Esse ódio é baseado no conhecimento que o garoto tem de que o pai, com sua força e tamanho, obstrui o caminho do seu desejo. O medo da criança do pai pode explicitamente ser um medo de castração pelo pai, mas mais tipicamente, tem um caráter menos especifico. O filho não quer realmente matar o pai, é claro, mas é presumido que o patricídio é uma preocupação comum em suas fantasias e sonhos. A "solução" do complexo deve ocorrer através do reconhecimento de que ele não pode substituir o pai, e através do medo da castração, que eventualmente leva o garoto a se identificar com o pai, se identificar com o agressor, e recalcar os pavorosos componentes originais do complexo.
É importante ter em mente que, de acordo com Freud, o complexo de Édipo nunca é totalmente solucionado, e é passível de retorno em períodos posteriores - quase sempre, por exemplo, na puberdade. Assim os poderosos ingredientes do ódio homicida e do desejo sexual incestuoso no contexto familiar nunca são removidos de fato. Ao invés disso, eles são cobertos e recalcados. Freud explica o potencial neurótico dessa situação:
O complexo de Édipo é o núcleo da neurose... O que permanece do complexo no inconsciente representa a disposição ao desenvolvimento de neuroses no adulto (Freud, 1919, Standard Edition, 17, 0. 193; also 1905, S.E. 7, p. 226ff; 1909, S.E., 11, p. 47)
Resumidamente, todas as neuroses humanas se derivam desse complexo. Obviamente, na maioria dos casos, esse potencial não é expresso em nenhuma maneira neurótica séria. Ao invés disso, o complexo é expresso na relação com autoridades, sonhos, atos falhos, irracionalidades transitórias, etc.
Agora, ao postular um complexo de Édipo universal como a origem de todas as neuroses, Freud inadvertidamente desenvolveu um entendimento racional da origem da rejeição de Deus na Satisfação-de-Desejo.
Além de tudo, o complexo de Édipo é inconsciente, é estabelecido na infância e, acima de tudo, sua motivação dominante é o ódio pelo pai e o desejo de sua não-existência, especificamente representada pelo desejo de substituí-lo ou matá-lo. Freud freqüentemente descrevia Deus como psicologicamente equivalente ao pai, então uma expressão natural da motivação Edipiana seriam desejos poderosos e inconscientes da não-existência de Deus. Logo, sob o ponto de vista Freudiano, o ateísmo é uma ilusão causada pelo desejo Edipiano de matar o pai e substituí-lo por si mesmo. Agir como se Deus não existisse é obviamente, uma máscara sutil do desejo de matá-lo, do mesmo modo num sonho, a imagem de um parente indo embora ou desaparecendo pode representar um desejo como esse: "Deus está morto" é simplesmente uma Satisfação-de-Desejo Edipiana desmascarada.
Certamente não é difícil de entender o caráter edipiano no ateísmo e ceticismo contemporâneos. Hugh Hefner, até James Bond, com sua rejeição a Deus mais suas inúmeras mulheres, estão obviamente vivendo o Édipo de Freud e a rebelião primitiva (e.g. Totem e Tabu). Assim também estão inúmeros outros céticos que vivem variações do mesmo cenário de permissividade sexual exploradora combinada com auto-adoração narcísica.
E, é claro, o sonho de Édipo não é apenas matar o pai e possuir a mãe ou outras mulheres no grupo, mas também retirá-lo de seu lugar. O Ateísmo moderno tem tentado alcançar isso. Agora o homem, não Deus, é conscientemente a fonte Última de bondade e força do universo. Filosofias humanistas glorificam o homem e seu "potencial" quase da mesma forma que a religião glorifica o Criador. Saímos de um Deus para vários deuses e agora cada um como deus. Essencialmente, o homem - através de seu narcisismo e desejos Edipianos - tem tentado fazer o que Satanás não conseguiu, se assentar no trono de Deus. Graças a Freud agora é mais fácil entender a profundidade neurótica e não confiável da descrença.
Um exemplo interessante da motivação Edipiana proposta aqui é Voltaire, um expoente do ceticismo que negou a noção judaico-cristã de um Deus pessoal - de Deus como Pai. Voltaire foi um teísta ou deísta que acreditava num Deus cósmico, impessoal de caráter desconhecido.
O questão psicológica importante sobre Voltaire é que ele insistentemente rejeitou seu pai - tanto que ele rejeitou o nome de seu pai e usou o nome "Voltaire". Não é certo de onde o nome veio, mas uma interpretação aceita pela maioria é que o nome foi construído a partir das letras do sobrenome de sua mãe. Quando Voltaire estava nos seus vinte anos (em 1718), ele publicou uma peça intitulada "Édipo", a primeira de suas peças a ser apresentada ao público. A peça reconta a clássica lenda com fortes alusões a rebelião religiosa e política. Por toda sua vida, Voltaire (assim como Freud) brincou com a idéia de que ele não era filho de seu pai. Ele aparentemente ansiava por ser de uma família aristocrática e mais importante do que sua família de classe média. (Uma expressão dessa preocupação de ter um pai mais digno é a peça Cândido). Resumidamente, a hostilidade de Voltaire ao seu próprio pai, sua rejeição religiosa ao Deus-Pai, e sua rejeição política do rei - também uma figura do pai - são todas reflexões dos mesmos desejos básicos. Psicologicamente falando, a rebelião de Voltaire contra seu pai e contra Deus são facilmente interpretadas como Satisfação-de-Desejo Edipiana, como ilusões confortadoras, e logo, seguindo Freud, como crenças e atitudes indignas da mente madura.
Diderot, o grande Enciclopedista e um renomado ateu - de fato ele é um dos fundadores do ateísmo moderno - também tinha insights e preocupações Edipianas. Freud em tom de aprovação cita a observação de Diderot:
Se o pequeno bárbaro fosse deixado por si mesmo, preservando toda sua tolice e adicionando ao pequeno sentido de criança no berço as violentes paixões de um homem de trinta anos, ele estrangularia seu pai e se deitaria com sua mãe (de Le neveau de Rameau. citado por Freud na Lição XXI de suas Lições Introdutórias (1916- 1917), S.E., 16, pp. 331-338).
Psicologia do Ateísmo: A Teoria do Pai Defectivo
Estou bem ciente do fato de que há boas razões para darmos apenas uma limitada aceitação à teoria freudiana do Édipo. De qualquer forma, é minha visão de que apesar de o complexo de Édipo ser válido para alguns, a teoria está longe de ser uma representação universal da motivação inconsciente. Visto que há necessidade de um mais profundo entendimento do ateísmo e visto que eu não conheço nenhum fundamento teórico - exceto o de Édipo - sou forçado a rascunhar um modelo próprio, ou realmente desenvolver uma não-desenvolvida tese de Freud. Em seu ensaio sobre Leonardo da Vinci, Freud fez a seguinte observação:
A psicanálise, que nos ensinou a intima conexão entre o complexo do pai e a crença em Deus, tem nos mostrado que o Deus pessoal é logicamente nada mais do que um pai exaltado e diariamente demonstra como jovens pessoas abandonam sua crença religiosa assim que a autoridade do pai não se faz mais presente (Leonardo da Vinci, 1910, 1947 p. 98).
Essa declaração não faz nenhuma afirmação sobre desejos sexuais inconscientes pela mãe, ou até algum ódio universal pelo pai. Ao invés disso, ele diz simplesmente que uma vez que a criança se desaponte ou perca seu respeito pelo pai terreno, então a crença em Deus se torna impossível. Existem, é claro, muitas formas de um pai perder sua autoridade e desapontar uma criança seriamente. Algumas dessas formas - para as quais evidências clínicas são dadas abaixo - são:
1. Ele pode estar presente, mas ser fraco, covarde, ou indigno de respeito - mesmo que de alguma outra forma for simpático ou "legal".
2. Ele pode estar presente, mas ser abusivo tanto física, sexual ou psicologicamente.
3. Ele pode estar ausente por motivo de morte ou por abandonar a família.
Unidas essas determinantes do ateísmo serão chamadas de hipótese do "pai defectivo". Para apoiar a validade dessa abordagem, eu vou concluir provendo material histórico da vida de ateus proeminentes, pois foi a partir da leitura das biografias de ateus que essa hipótese veio a minha mente pela primeira vez.
Vamos começar pela relação de Sigmund Freud com seu pai. Que o pai de Freud, Jacob, foi um grande desapontamento - ou até pior - é geralmente aceito em suas biografias. (Para acesso ao material biográfico de apoio sobre Freud veja, por exemplo, Krull, 1979, e Vitz, 1983, 1986). Especificamente, seu pai foi um homem fraco incapaz de sustentar financeiramente sua família. O suporte financeiro parece ter sido provido pela família de sua esposa e outras pessoas. Além do mais, o pai de Freud era passivo em resposta ao anti-semitismo. Freud relembra um episódio que o seu pai o contou, no qual Jacob permitiu que um anti-semita o chamasse de "Judeu sujo" e derrubasse seu chapéu. O jovem Sigmund, ao ouvir a história, ficou profundamente abalado pelo fracasso do pai e pela sua fraqueza. Sigmund Freud foi um homem complexo e em muitos aspectos ambíguo, mas todos concordam que ele foi um lutador corajoso e que ele admirava profundamente a coragem nos outros. Sigmund, quando jovem, muitas vezes lutou fisicamente contra o anti-semitismo e, é claro, ele foi um dos maiores lutadores intelectuais. As ações de Jacob como um pai defectivo, entretanto, provavelmente vão ainda mais fundo. Especificamente, em duas de suas cartas de quando já adulto Freud escreve que seu pai era um pervertido sexual e que os próprios filhos de Jacob sofriam com isso. Existem outros possíveis desastres morais que eu não me preocupei em citar.
A conexão de Jacob com Deus e a religião também estavam presentes para seu filho. Jacob estava envolvido num tipo de reforma Judaica quando Freud era criança, e os dois gastavam horas lendo a Bíblia juntos, e mais tarde Jacob se tornou cada vez mais envolvido em ler o Talmude e debater sobre as escrituras judaicas. Resumidamente, esse "cara legal" fraco e passivo, esse schlemiel, estava claramente ligado ao Judaísmo e à Deus, e também a uma séria falta de coragem e possivelmente à perversão sexual e outros fracassos que abalaram o jovem Sigmund.
Sucintamente, outros famosos ateus parecem ter tipo um tipo de relacionamento com seus pais, similar ao de Freud. Karl Marx deixou claro que não respeitava seu pai. Uma parte importante nisso foi que seu pai se converteu ao Cristianismo - não a partir de qualquer convicção religiosa - mas a partir de um desejo de tornar a vida mais fácil. Ele se converteu por conveniência. Nisso o pai de Marx quebrou uma antiga tradição familiar. Ele foi o primeiro na família que não se tornou um rabino; de fato, Karl Marx veio de uma longa tradição rabínica em ambos os lados de sua família.
O pai de Ludwig Feurbach fez algo que poderia facilmente ter ferido profundamente seu filho. Quando Feurbach tinha 13 anos, seu pai deixou sua família e abertamente foi viver com outra mulher numa outra cidade. Isso aconteceu na Alemanha no inicio do século 19 e uma rejeição pública dessa proporção seria um grande escândalo e deixaria um grande sentimento de rejeição no jovem Ludwig - e, é claro, para sua mãe e os outros filhos.
Vamos avançar cem anos e examinar a vida de uma das ateístas mais famosas da América - Madalyn Murray O'Hair. Aqui eu cito o livro mais recente de seu filho sobre como era a sua família quando ele era criança. (Murray, 1982) O livro começa quando ele tinha oito anos de idade: "Nós raramente fazíamos algo juntos como família. O ódio entre meu avô e minha mãe impedia situações como essas”.(p. 7) Ele diz que não sabia realmente o porquê do ódio de sua mãe pelo pai - mas ela o odiava, pois o capitulo de abertura conta uma briga feia na qual ela tenta matar seu pai com uma faca. Madalyn falhou mais esbravejou: "Eu vou vê-lo morto. Eu ainda te pego. Eu vou pisar da sua cova!" (p. 8)
Qualquer que fosse a causa do intenso ódio de O'Hair pelo seu pai é claro, no livro, que foi profundo e que remonta a sua infância - ao menos psicológico (e.g.p. 11) e possivelmente abuso físico é uma causa plausível.
Além do abuso, rejeição, ou covardia, uma forma do pai ser seriamente defectivo é simplesmente não estar presente. Muitas crianças, é claro, interpretam a morte de seu pai como um tipo de traição ou ato de deserção. Nesse aspecto é notável que o padrão de um pai morto é tão comum na vida de muitos ateus proeminentes.
Baron d'Holbach (nascido como Paul Henri Thiry), o racionalista francês e provavelmente o primeiro ateu confesso publicamente, ficou órfão aos 13 anos e viveu com seu tio. (De quem ele tomou o nome Holbach). O pai de Bertrand Russel morreu quando ele tinha quatro anos; Nietzsche tinha a mesma idade de Russell quando perdeu seu pai; o pai de Sartre morreu antes de Sartre nascer e Camus tinha um ano quando perdeu seu pai. (As informações bibliográficas foram tiradas de fontes de referência padrão). Obviamente, muito mais evidências podem ser obtidas para a hipótese do "pai defectivo". Mas as informações já citadas são substanciais; improváveis de serem uma mera coincidência.
A psicologia de como um pai falecido ou não-existente poderia fornecer base emocional para o ateísmo pode não ser clara a primeira vista. Mas se o pai de alguém é ausente ou fraco a ponto de morrer, ou tão indigno a ponto de deserdar, então não é difícil colocar os mesmos atributos no Pai celeste.
E por ultimo, há também a experiência precoce de sofrimento, morte, de mal, algumas vezes aliadas à raiva contra Deus por permitir que tais coisas acontecessem. Raiva precoce contra Deus pela perda do pai e o sofrimento subseqüente é ainda outra e diferente psicologia da descrença, mas estreitamente ligada com a teoria do pai defectivo.
Parte dessa psicologia é clara na recente autobiografia de Russell Baker. (Baker, 1982) Russel Baker é um famoso jornalista e escritor comediante do New York Times. Seu pai foi levado para o hospital e morreu subitamente quando Russel tinha cinco anos. Baker chorou e sofreu e falou para a governanta de sua casa, Bessie:
... Pela primeira vez eu pensei seriamente sobre Deus. Entre soluços eu disse a Bessie que se Deus podia fazer coisas como essas às pessoas, então Deus era detestável e eu não precisava dEle.
Bessie me falou sobre a paz no céu e a alegria de estar entre os anjos e a felicidade de saber que meu pai já estava lá. O argumento falhou em aliviar minha ira.
"Deus ama a nós todos como Seus próprios filhos", Bessie disse.
"Se Deus me ama, por que Ele fez meu pai morrer?"
Bessie disse que eu entenderia algum dia, mas ela estava apenas parcialmente certa. Aquela tarde, apesar de eu não ter conscientemente formulado dessa forma, eu decidi que Deus estava muito menos interessado nas pessoas do que qualquer um em Morrisonville admitiria. Naquele eu decidi que Deus não era confiável.
William James e Sigmund Freud, por exemplo, estavam pessoal e profissionalmente envolvidos profundamente na questão. Lembre-se de A Vontade de Crer de James, como também do seu famoso As Variedades das Experiências Religiosas. Essas duas obras são tentativas de entender a crença como resultado de causas psicológicas, ou seja, causas naturais. James pode até ter sido compassivo com a religião, mas sua posição pessoal era de dúvida e ceticismo e seus escritos eram parte de uma tentativa psicológica de menosprezar a fé religiosa. As criticas de Sigmund Freud à religião, especialmente o cristianismo, são bem conhecidas e serão discutidas com mais detalhes mais a frente. Por hora, é suficiente lembrar quão profundamente envolvidos com a questão de Deus e a religião, Freud e seus pensamentos estavam.
Tendo em vista o estreito envolvimento entre os fundadores da psicologia e a interpretação critica da religião, não é de se surpreender que muitos dos psicólogos vejam com certa desconfiança qualquer tentativa de propor uma psicologia do ateísmo. No mínimo, um projeto como esse coloca os psicólogos na defensiva e os oferece um pouco do seu próprio veneno. Os psicólogos estão sempre observando e interpretando os outros e já é hora de alguns deles aprenderem a partir de suas próprias experiências como é estar sob a mira da teoria e experimentação psicológicas. Eu espero demonstrar que muitos dos conceitos psicológicos utilizados para interpretar a religião são espadas de dois gumes, que podem também ser usados para interpretar o ateísmo. O que vale para o crente, igualmente vale para o descrente.
Antes de começar, entretanto, eu quero fazer dois pontos que estão por trás das minhas pressuposições. Primeiro, eu creio que as maiores barreiras para a crença em Deus não são racionais, mas – num sentido geral – podem ser chamadas de psicológicas. Não quero ofender nenhum filósofo distinto – tanto crentes quanto descrentes – nesse auditório, mas eu estou plenamente convencido que para cada pessoa fortemente convencida por argumentos racionais existem muitas, muitas mais afetadas por fatores psicológicos não-racionais.
Ninguém pode decifrar o coração humano e seus caminhos, mas ao menos é tarefa da psicologia tentar. Dessa forma, para começar, eu proponho que barreiras neurótico-psicológicas para a crença em Deus são de grande importância. Quais são elas mencionarei brevemente. Para os crentes é importante ter em mente que motivações e pressões psicológicas que muitos podem nem sequer se dar conta, muitas vezes estão por trás da descrença.
Um dos mais antigos teóricos do inconsciente, São Paulo, escreveu, “com efeito o querer bem está em mim, mas o efetuá-lo não está...mas vejo nos meus membros outra lei guerreando contra a lei do meu entendimento, e me levando cativo à lei do pecado, que está nos meus membros” Romanos 7.18,23. Assim, me parece que tanto pela teologia quanto pela psicologia fatores psicológicos podem ser impedimentos à crença como também ao comportamento, e que esses fatores freqüentemente são inconscientes. Além disso, é razoável dizer que as pessoas variam extensamente na intensidade da presença desses fatores em suas vidas. Alguns de nós fomos abençoados com uma boa criação, um bom temperamento, envolvimento social, e outros dons que fizeram da crença em Deus algo muito mais fácil do que para muitos que sofreram mais ou cresceram num ambiente pobre espiritualmente ou tiveram outras dificuldades com as quais lidar. As Escrituras deixam claro que muitas crianças – até a terceira ou quarta geração – sofrem dos pecados dos pais, incluindo os pecados dos pais que foram crentes. Resumidamente, meu primeiro ponto é que algumas pessoas têm barreiras psicológicas para a crença muito mais sérias do que outras, um ponto consistente com a afirmação clara das Escrituras de que nós não devemos julgar os outros, entretanto somos instados a corrigir o mal.
Meu segundo ponto é que apesar de sérias dificuldades para a crença, todos nós ainda temos a livre escolha de aceitar Deus ou rejeitá-lo. Esse ponto não está em contradição com o primeiro. Talvez um pouco mais de elaboração vai esclarecer esse ponto. Uma pessoa, como conseqüência do seu passado, envolvimento presente, etc., pode achar muito mais difícil acreditar em Deus do que a maioria das pessoas. Mas presumivelmente, a qualquer momento, certamente em muitos momentos, ela pode escolher se mover em direção a Deus ou pra longe dele. Um homem pode começar com tantas barreiras que mesmo depois de anos caminhando vagarosamente em direção a Deus ele ainda não esteja lá. Alguns podem morrer antes de alcançar a crença. Nós acreditamos que eles serão julgados – como todos nós – quão longe eles viajaram em direção a Deus e quão bem amaram os outros – o que eles fizeram com o que lhes foi dado. Da mesma forma, um outro homem sem dificuldades psicológicas ainda é livre para rejeitar Deus, e sem dúvidas muitos o fazem. Assim, apesar de que no fundo a questão é da vontade do homem e de nossa natureza pecaminosa, ainda é possível investigar os fatores psicológicos que predispõe alguém para a descrença, que faz a estrada em direção a Deus dura e difícil.
Psicologia do Ateísmo: Motivações Psicológicas e Sociais
Parece haver uma crença bem difundida na comunidade intelectual ocidental de que a crença em Deus é baseada em todos os tipos de desejos e necessidades imaturas, mas o ateísmo e o ceticismo são derivados de uma observação racional das coisas como elas são realmente. Para começar uma critica dessa idéia, eu começo com a minha própria história.
Como alguns de vocês sabem, depois de uma frágil criação cristã, eu me tornei ateu na faculdade nos anos 1950 e permaneci assim durante minha graduação e meus primeiros anos como um jovem psicólogo experimental na New York University. Isto é, eu sou um convertido adulto ou, mais tecnicamente, um reconvertido ao Cristianismo que voltou para a fé, para sua própria surpresa, no final dos meus 30 anos no meio do desenvolvimento secular da psicologia acadêmica em Nova Iorque.
Não estou entrando nisso para entediá-los com partes da história da minha vida, mas para mostrar que através da reflexão sobre minha própria experiência, é claro para mim que as minhas razões para se tornar e permanecer ateu-cético dos 18 aos 38 anos foram superficiais, irracionais e sem integridade moral e intelectual. Além do mais, eu estou convencido de que minhas motivações foram, e ainda são, um lugar comum entre os intelectuais especialmente cientistas sociais.
Os principais fatores envolvidos na minha escolha pelo ateísmo – apesar de eu não estar ciente na época – foram as seguintes:
Socialização geral. Uma influência importante na minha juventude foi uma significante inquietação social. Eu estava de certa forma envergonhado de ser do centro-oeste, pois parecia terrivelmente obtuso, limitado e interiorano. Não havia nada de romântico ou impressionante em ser de Cincinnati, Ohio e de uma origem Germano-Anglo-Suiça. Terrivelmente classe-média. Além de escapar do obtuso, e segundo eu mesmo sem-valor, passado social vergonhoso, eu queria fazer parte, de fato estar confortável no novo, excitante e glamuroso mundo secular para o quão eu estava me dirigindo. Eu estou certo de que motivações similares fortemente influenciaram as vidas de um sem-número de jovens emergentes nos últimos dois séculos. Veja Voltaire, que se mudou para o aristocrático e sofisticado mundo de Paris, e que sempre se sentiu envergonhado de sua origem interiorana e não-aristocrática; ou dos guetos Judeus para os quais muitos judeus fugiram, ou da chegada dos jovens a Nova Iorque, envergonhados de seus pais fundamentalistas. Esse tipo de pressão social afastou muitos da crença em Deus e tudo com o que a crença nele está relacionada.
Eu me lembro de um pequeno seminário na minha graduação no qual quase todos os membros expressavam algum tipo de vergonha devido às pressões da socialização na “vida moderna”. Um estudante tentava fugir de seu passado Batista, um outro de uma comunidade Mórmon, um terceiro fugia de seu gueto judeu, e o quarto era eu.
Socialização especifica. Uma outra grande razão para eu querer me tornar ateu foi que eu desejava ser aceito pelos poderosos e influentes cientistas do campo da psicologia. Em particular, eu queria ser aceito pelos meus professores. Como um estudante eu estava profundamente socializado com a cultura de pesquisa da psicologia acadêmica. Meus professores em Stanford, apesar de discordarem muito entre si no que se refere às teorias psicológicas, estavam unidos em apenas duas coisas – uma intensa ambição profissional e a rejeição da religião. Como diz o salmista, “Pois o ímpio gloria-se do desejo do seu coração, e o que é dado à rapina despreza e maldiz o Senhor. Por causa do seu orgulho, o ímpio não o busca; todos os seus pensamentos são: Não há Deus”.(Salmo 10.3-4).
No desenvolver disso tudo, assim como eu aprendi a me vestir como um estudante universitário colocando as roupas adequadas, eu também aprendi a “pensar” como um psicólogo adotando as idéias e atitudes corretas – isto é, idéias e atitudes ateístas.
Conveniência pessoal. Finalmente, nessa lista de superficiais, mas não menos fortes pressões irracionais para se tornar ateu, eu devo listar simplesmente a conveniência pessoal. A verdade é que é bastante inconveniente ser um crente devoto na cultura poderosa e neo-pagã da atualidade. Eu teria que abrir mão de muitos prazeres e de tempo útil. Sem entrar em detalhes não é difícil de imaginar os prazeres sexuais que teriam que ser rejeitados se eu me tornasse um crente devoto. E também eu sabia que me custaria tempo e algum dinheiro. Haveria cultos, grupos de comunhão, tempo de oração e leitura das Escrituras, tempo gasto ajudando os outros. Eu já estava por demais ocupado. Obviamente, se tornar religioso seria uma verdadeira inconveniência.
Agora talvez você pense que razões como essas estão restritas a jovens imaturos – como eu nos meus vinte e poucos anos. Entretanto, essas razões não são tão restritas. Tomo como exemplo o caso de Mortimer Adler, um conhecido filósofo Americano, escritor, e intelectual que gastou boa parte de sua vida pensando sobre Deus e a temática religiosa. Um de seus livros mais recentes é intitulado How to Think About God: A Guide for the 20th Century Pagan (1980) (Como pensar sobre Deus: Um guia para o pagão do século XX). Nessa obra, Adler examina minuciosamente os argumentos para a existência de Deus e nos capítulos finais ele está próximo a aceitar o Deus vivo. Ainda assim ele recua e continua entre “a vasta companhia dos religiosos não-comprometidos) (Graddy, 1982). Mas Adler deixa a impressão de que essa decisão é mais da vontade do que do intelecto. Como um de seus resenhistas notou (Graddy, 1982), Adler confirma essa impressão em sua autobiografia, Philosopher at Large (1976). Nessa obra, enquanto investiga as razões para já duas vezes parar quando esteve próximo de um comprometimento religioso, ele escreve que a resposta “está na vontade, e não na mente”. Adler vai além e comenta que se tornar seriamente religioso “requereria uma mudança radical no meu estilo de vida...” e “A verdade simples da questão é que eu não desejava viver como uma pessoa genuinamente religiosa” (Graddy, p.24).²
Ai está! Uma memorável admissão honesta e consciente de que ser “uma pessoa genuinamente religiosa” seria muito problemático e muito inconveniente. Tais são as razões por detrás de muito do ceticismo dos descrentes.
Resumidamente, por causa das minhas necessidades sociais, por causa das minhas necessidades profissionais de ser aceito como parte da psicologia acadêmica, e por causa das minhas necessidades por um estilo de vida conveniente – por todas essas necessidades o ateísmo era simplesmente a melhor escolha. Refletindo sobre essas motivações, eu posso afirmar honestamente que um retorno ao ateísmo é o mesmo do que um retorno à adolescência.
A Psicologia do Ateísmo: Motivações psicanalíticas.
Como sabemos, o centro da critica Freudiana à crença em Deus é que tal crença não é confiável por causa de sua origem psicológica. Isto é, Deus é uma projeção de nossos próprios e intensos desejos inconscientes; Ele é a satisfação de um desejo derivado das necessidades infantis de proteção e segurança. Visto que esses desejos são inconscientes, não deve ser dado muito crédito a qualquer negação de tal interpretação. Devemos notar que ao desenvolver esse tipo de crítica, Freud formulou um argumento ad hominem de grande influência. É na obra O Futuro de Uma Ilusão (1927, 1961) que Freud explica sua posição:
Idéias religiosas surgiram das mesmas necessidades de que surgiram todos as conquistas da civilização: da necessidade de defender-se da impetuosa e superior força da natureza. (p.21)
Logo, crenças religiosas são:
Ilusões, satisfação dos mais antigos, mais fortes, e urgentes desejos da raça humana... Como já sabemos, a pavorosa impressão de abandono na infância fez surgir o desejo de proteção – de proteção pelo amor – que foi provida pelo pai... Dessa forma a benevolente regra de Providência Divina apazigua nosso medo dos perigos da vida. (p.30)
Vamos examinar esse argumento cuidadosamente, pois apesar da aceitação entusiástica do argumento pelos ateus e céticos não-críticos, é um argumento muito frágil.
No primeiro parágrafo Freud falha em notar que seu argumento contra as crenças religiosas é, em suas próprias palavras, igualmente válido contra todas as conquistas da civilização, incluindo a própria psicanálise. Isto é, a origem psíquica de uma conquista intelectual invalida sua veracidade, então a física, a biologia, e a própria psicanálise, são vulneráveis a mesma acusação.
No segundo parágrafo Freud faz outra alegação estranha, de que os mais antigos e urgentes desejos da humanidade são de proteção e orientação amorosa por um poderoso Pai de amor, pela divina Providência. Entretanto, se esses desejos fossem tão fortes e antigos como ele alega, era de se esperar que as religiões pré-cristãs enfatizassem Deus como um pai benevolente. Em geral, isso é bem distante do caso das religiões pagãs do mundo Mediterrâneo - e, por exemplo, ainda não é o caso em muitas religiões populares como o Budismo ou o Hinduísmo. De fato, o Judaísmo e mais especificamente o Cristianismo são em muitos aspectos distintos em sua ênfase em Deus como um Pai de amor.
Entretanto, deixemos de lado essas duas gafes intelectuais e voltemos para um outro entendimento da teoria da projeção de Freud. Pode ser demonstrado que essa teoria não é realmente parte integrante da psicanálise - e, dessa forma não tem a teoria psicanalítica como fundamento de apoio. É essencialmente um argumento autônomo. De fato, a atitude crítica de Freud em relação à religião é enraizada em suas predileções pessoais e é um tipo de meta-psicanálise - ou se origina em fundamentos sem relação com seus conceitos clínicos. (Essa separação ou autonomia em relação a muito da teoria psicanalítica muito provavelmente é responsável pela influência do argumento fora do âmbito da psicanálise). Existem duas evidências para essa interpretação da teoria da projeção.
A primeira é que essa teoria foi articulada claramente muitos anos antes por Ludwig Feurbach em seu livro A Essência do Cristianismo (1841, 1957). A interpretação de Feurbach foi popular no meio dos intelectuais europeus, e Freud, quando jovem, lia Feurbach avidamente (veja Gedo & Pollock, 1976, pp.47,350) Seguem algumas significativas citações de Feurbach que esclarecem isso:
O que o homem sente necessidade - seja essa uma necessidade articulada, portanto consciente, ou uma necessidade inconsciente - é Deus (1841, 1957, p. 33)
O homem projeta sua natureza no mundo exterior a si mesmo antes de encontrá-lo dentro de si (p.11)
Viver por meio de sonhos projetados é a essência da religião. A religião sacrifica a realidade em prol do sonho projetado. (p. 49)
Muitas outras citações de Feurbach poderiam ser usadas para descrever a religião em termos "Freudianos" como satisfação-de-desejo (wish-fulfillment), etc. O que Freud fez com esse argumento foi reconstruí-lo em uma forma mais eloqüente, e publicá-lo num período posterior onde a audiência ansiosa por ouvir uma teoria como essa era muito maior. E, é claro, de alguma forma as descobertas e a própria teoria psicanalítica foram utilizadas como se apoiassem fortemente a teoria. O caráter Feurbachiano da posição de Freud que taxa a religião de ilusão é demonstrado também em noções como "a esmagadora força superior da natureza" e a "apavorante impressão de desamparo na infância", que não são psicanalíticas em terminologia ou sentido.
A outra evidência que comprova que as bases da teoria da projeção não são psicanalíticas, vem diretamente do próprio Freud, que explicitamente afirma isso. Numa carta escrita em 1927 para seu amigo Oskar Pfister (um antigo psicanalista e pastor protestante), Freud escreveu:
Vamos ser bem claros quanto à questão de que as opiniões difundidas em meu livro (O Futuro de uma Ilusão) não são parte da teoria analítica. São minhas visões pessoais. (Freud/Pfister, 1963, p; 117)
Há outra interpretação um pouco diferente da crença em Deus que Freud desenvolveu também, mas apesar de essa teoria ter um certo embasamento psicanalítico, é na verdade, ainda, uma adaptação da teoria Feurbachiana da projeção. É a interpretação negligenciada de Freud quando ao ego ideal. O super-ego, incluindo o ego ideal é o "herdeiro do complexo de Édipo", representando a projeção de um pai idealizado e presumivelmente do Deus-Pai (veja Freud, 1923, 1962, pp. 26-28; p.38)
A dificuldade aqui é que o ego ideal não recebeu muita atenção ou desenvolvimento nos escritos de Freud. Além do mais, é facilmente interpretado como uma adoção da teoria da projeção de Feurbach. Assim, podemos concluir que a psicanálise na verdade não provê conceitos teóricos significativos para caracterizar a crença em Deus como neurótica. Freud tanto usou a antiga teoria de projeção ou ilusão de Feurbach como incorporou Feurbach em sua noção de ego ideal. Presumivelmente, essa é a razão por que Freud reconheceu a Pfister que seu livro O Futuro de uma Ilusão, não é parte integrante da psicanálise
Ateísmo como Satisfação-de-Desejo Edipiano
Apesar de tudo, Freud de certa forma está certo ao se preocupar que a crença em Deus possa ser uma ilusão por se derivar de desejos poderosos - tanto necessidades inconscientes quanto infantis. A ironia é que ele claramente proveu uma poderosa e nova forma de entender as bases neuróticas do ateísmo. (Para um desenvolvimento detalhado dessa posição veja Vitz e Gartner, 1984a, b; Vitz, 1986, in press.)
O Complexo de Édipo
O conceito central na obra de Freud, além do inconsciente, é o bem conhecido complexo de Édipo. No caso do desenvolvimento da personalidade masculina, os aspectos essenciais desse complexo são os seguintes: Por volta do período que vai dos três aos seis anos o filho desenvolve um forte desejo sexual pela mãe. Ao mesmo tempo o filho desenvolve um intenso ódio e medo do pai, e um desejo de substituí-lo, uma "ânsia por poder". Esse ódio é baseado no conhecimento que o garoto tem de que o pai, com sua força e tamanho, obstrui o caminho do seu desejo. O medo da criança do pai pode explicitamente ser um medo de castração pelo pai, mas mais tipicamente, tem um caráter menos especifico. O filho não quer realmente matar o pai, é claro, mas é presumido que o patricídio é uma preocupação comum em suas fantasias e sonhos. A "solução" do complexo deve ocorrer através do reconhecimento de que ele não pode substituir o pai, e através do medo da castração, que eventualmente leva o garoto a se identificar com o pai, se identificar com o agressor, e recalcar os pavorosos componentes originais do complexo.
É importante ter em mente que, de acordo com Freud, o complexo de Édipo nunca é totalmente solucionado, e é passível de retorno em períodos posteriores - quase sempre, por exemplo, na puberdade. Assim os poderosos ingredientes do ódio homicida e do desejo sexual incestuoso no contexto familiar nunca são removidos de fato. Ao invés disso, eles são cobertos e recalcados. Freud explica o potencial neurótico dessa situação:
O complexo de Édipo é o núcleo da neurose... O que permanece do complexo no inconsciente representa a disposição ao desenvolvimento de neuroses no adulto (Freud, 1919, Standard Edition, 17, 0. 193; also 1905, S.E. 7, p. 226ff; 1909, S.E., 11, p. 47)
Resumidamente, todas as neuroses humanas se derivam desse complexo. Obviamente, na maioria dos casos, esse potencial não é expresso em nenhuma maneira neurótica séria. Ao invés disso, o complexo é expresso na relação com autoridades, sonhos, atos falhos, irracionalidades transitórias, etc.
Agora, ao postular um complexo de Édipo universal como a origem de todas as neuroses, Freud inadvertidamente desenvolveu um entendimento racional da origem da rejeição de Deus na Satisfação-de-Desejo.
Além de tudo, o complexo de Édipo é inconsciente, é estabelecido na infância e, acima de tudo, sua motivação dominante é o ódio pelo pai e o desejo de sua não-existência, especificamente representada pelo desejo de substituí-lo ou matá-lo. Freud freqüentemente descrevia Deus como psicologicamente equivalente ao pai, então uma expressão natural da motivação Edipiana seriam desejos poderosos e inconscientes da não-existência de Deus. Logo, sob o ponto de vista Freudiano, o ateísmo é uma ilusão causada pelo desejo Edipiano de matar o pai e substituí-lo por si mesmo. Agir como se Deus não existisse é obviamente, uma máscara sutil do desejo de matá-lo, do mesmo modo num sonho, a imagem de um parente indo embora ou desaparecendo pode representar um desejo como esse: "Deus está morto" é simplesmente uma Satisfação-de-Desejo Edipiana desmascarada.
Certamente não é difícil de entender o caráter edipiano no ateísmo e ceticismo contemporâneos. Hugh Hefner, até James Bond, com sua rejeição a Deus mais suas inúmeras mulheres, estão obviamente vivendo o Édipo de Freud e a rebelião primitiva (e.g. Totem e Tabu). Assim também estão inúmeros outros céticos que vivem variações do mesmo cenário de permissividade sexual exploradora combinada com auto-adoração narcísica.
E, é claro, o sonho de Édipo não é apenas matar o pai e possuir a mãe ou outras mulheres no grupo, mas também retirá-lo de seu lugar. O Ateísmo moderno tem tentado alcançar isso. Agora o homem, não Deus, é conscientemente a fonte Última de bondade e força do universo. Filosofias humanistas glorificam o homem e seu "potencial" quase da mesma forma que a religião glorifica o Criador. Saímos de um Deus para vários deuses e agora cada um como deus. Essencialmente, o homem - através de seu narcisismo e desejos Edipianos - tem tentado fazer o que Satanás não conseguiu, se assentar no trono de Deus. Graças a Freud agora é mais fácil entender a profundidade neurótica e não confiável da descrença.
Um exemplo interessante da motivação Edipiana proposta aqui é Voltaire, um expoente do ceticismo que negou a noção judaico-cristã de um Deus pessoal - de Deus como Pai. Voltaire foi um teísta ou deísta que acreditava num Deus cósmico, impessoal de caráter desconhecido.
O questão psicológica importante sobre Voltaire é que ele insistentemente rejeitou seu pai - tanto que ele rejeitou o nome de seu pai e usou o nome "Voltaire". Não é certo de onde o nome veio, mas uma interpretação aceita pela maioria é que o nome foi construído a partir das letras do sobrenome de sua mãe. Quando Voltaire estava nos seus vinte anos (em 1718), ele publicou uma peça intitulada "Édipo", a primeira de suas peças a ser apresentada ao público. A peça reconta a clássica lenda com fortes alusões a rebelião religiosa e política. Por toda sua vida, Voltaire (assim como Freud) brincou com a idéia de que ele não era filho de seu pai. Ele aparentemente ansiava por ser de uma família aristocrática e mais importante do que sua família de classe média. (Uma expressão dessa preocupação de ter um pai mais digno é a peça Cândido). Resumidamente, a hostilidade de Voltaire ao seu próprio pai, sua rejeição religiosa ao Deus-Pai, e sua rejeição política do rei - também uma figura do pai - são todas reflexões dos mesmos desejos básicos. Psicologicamente falando, a rebelião de Voltaire contra seu pai e contra Deus são facilmente interpretadas como Satisfação-de-Desejo Edipiana, como ilusões confortadoras, e logo, seguindo Freud, como crenças e atitudes indignas da mente madura.
Diderot, o grande Enciclopedista e um renomado ateu - de fato ele é um dos fundadores do ateísmo moderno - também tinha insights e preocupações Edipianas. Freud em tom de aprovação cita a observação de Diderot:
Se o pequeno bárbaro fosse deixado por si mesmo, preservando toda sua tolice e adicionando ao pequeno sentido de criança no berço as violentes paixões de um homem de trinta anos, ele estrangularia seu pai e se deitaria com sua mãe (de Le neveau de Rameau. citado por Freud na Lição XXI de suas Lições Introdutórias (1916- 1917), S.E., 16, pp. 331-338).
Psicologia do Ateísmo: A Teoria do Pai Defectivo
Estou bem ciente do fato de que há boas razões para darmos apenas uma limitada aceitação à teoria freudiana do Édipo. De qualquer forma, é minha visão de que apesar de o complexo de Édipo ser válido para alguns, a teoria está longe de ser uma representação universal da motivação inconsciente. Visto que há necessidade de um mais profundo entendimento do ateísmo e visto que eu não conheço nenhum fundamento teórico - exceto o de Édipo - sou forçado a rascunhar um modelo próprio, ou realmente desenvolver uma não-desenvolvida tese de Freud. Em seu ensaio sobre Leonardo da Vinci, Freud fez a seguinte observação:
A psicanálise, que nos ensinou a intima conexão entre o complexo do pai e a crença em Deus, tem nos mostrado que o Deus pessoal é logicamente nada mais do que um pai exaltado e diariamente demonstra como jovens pessoas abandonam sua crença religiosa assim que a autoridade do pai não se faz mais presente (Leonardo da Vinci, 1910, 1947 p. 98).
Essa declaração não faz nenhuma afirmação sobre desejos sexuais inconscientes pela mãe, ou até algum ódio universal pelo pai. Ao invés disso, ele diz simplesmente que uma vez que a criança se desaponte ou perca seu respeito pelo pai terreno, então a crença em Deus se torna impossível. Existem, é claro, muitas formas de um pai perder sua autoridade e desapontar uma criança seriamente. Algumas dessas formas - para as quais evidências clínicas são dadas abaixo - são:
1. Ele pode estar presente, mas ser fraco, covarde, ou indigno de respeito - mesmo que de alguma outra forma for simpático ou "legal".
2. Ele pode estar presente, mas ser abusivo tanto física, sexual ou psicologicamente.
3. Ele pode estar ausente por motivo de morte ou por abandonar a família.
Unidas essas determinantes do ateísmo serão chamadas de hipótese do "pai defectivo". Para apoiar a validade dessa abordagem, eu vou concluir provendo material histórico da vida de ateus proeminentes, pois foi a partir da leitura das biografias de ateus que essa hipótese veio a minha mente pela primeira vez.
Vamos começar pela relação de Sigmund Freud com seu pai. Que o pai de Freud, Jacob, foi um grande desapontamento - ou até pior - é geralmente aceito em suas biografias. (Para acesso ao material biográfico de apoio sobre Freud veja, por exemplo, Krull, 1979, e Vitz, 1983, 1986). Especificamente, seu pai foi um homem fraco incapaz de sustentar financeiramente sua família. O suporte financeiro parece ter sido provido pela família de sua esposa e outras pessoas. Além do mais, o pai de Freud era passivo em resposta ao anti-semitismo. Freud relembra um episódio que o seu pai o contou, no qual Jacob permitiu que um anti-semita o chamasse de "Judeu sujo" e derrubasse seu chapéu. O jovem Sigmund, ao ouvir a história, ficou profundamente abalado pelo fracasso do pai e pela sua fraqueza. Sigmund Freud foi um homem complexo e em muitos aspectos ambíguo, mas todos concordam que ele foi um lutador corajoso e que ele admirava profundamente a coragem nos outros. Sigmund, quando jovem, muitas vezes lutou fisicamente contra o anti-semitismo e, é claro, ele foi um dos maiores lutadores intelectuais. As ações de Jacob como um pai defectivo, entretanto, provavelmente vão ainda mais fundo. Especificamente, em duas de suas cartas de quando já adulto Freud escreve que seu pai era um pervertido sexual e que os próprios filhos de Jacob sofriam com isso. Existem outros possíveis desastres morais que eu não me preocupei em citar.
A conexão de Jacob com Deus e a religião também estavam presentes para seu filho. Jacob estava envolvido num tipo de reforma Judaica quando Freud era criança, e os dois gastavam horas lendo a Bíblia juntos, e mais tarde Jacob se tornou cada vez mais envolvido em ler o Talmude e debater sobre as escrituras judaicas. Resumidamente, esse "cara legal" fraco e passivo, esse schlemiel, estava claramente ligado ao Judaísmo e à Deus, e também a uma séria falta de coragem e possivelmente à perversão sexual e outros fracassos que abalaram o jovem Sigmund.
Sucintamente, outros famosos ateus parecem ter tipo um tipo de relacionamento com seus pais, similar ao de Freud. Karl Marx deixou claro que não respeitava seu pai. Uma parte importante nisso foi que seu pai se converteu ao Cristianismo - não a partir de qualquer convicção religiosa - mas a partir de um desejo de tornar a vida mais fácil. Ele se converteu por conveniência. Nisso o pai de Marx quebrou uma antiga tradição familiar. Ele foi o primeiro na família que não se tornou um rabino; de fato, Karl Marx veio de uma longa tradição rabínica em ambos os lados de sua família.
O pai de Ludwig Feurbach fez algo que poderia facilmente ter ferido profundamente seu filho. Quando Feurbach tinha 13 anos, seu pai deixou sua família e abertamente foi viver com outra mulher numa outra cidade. Isso aconteceu na Alemanha no inicio do século 19 e uma rejeição pública dessa proporção seria um grande escândalo e deixaria um grande sentimento de rejeição no jovem Ludwig - e, é claro, para sua mãe e os outros filhos.
Vamos avançar cem anos e examinar a vida de uma das ateístas mais famosas da América - Madalyn Murray O'Hair. Aqui eu cito o livro mais recente de seu filho sobre como era a sua família quando ele era criança. (Murray, 1982) O livro começa quando ele tinha oito anos de idade: "Nós raramente fazíamos algo juntos como família. O ódio entre meu avô e minha mãe impedia situações como essas”.(p. 7) Ele diz que não sabia realmente o porquê do ódio de sua mãe pelo pai - mas ela o odiava, pois o capitulo de abertura conta uma briga feia na qual ela tenta matar seu pai com uma faca. Madalyn falhou mais esbravejou: "Eu vou vê-lo morto. Eu ainda te pego. Eu vou pisar da sua cova!" (p. 8)
Qualquer que fosse a causa do intenso ódio de O'Hair pelo seu pai é claro, no livro, que foi profundo e que remonta a sua infância - ao menos psicológico (e.g.p. 11) e possivelmente abuso físico é uma causa plausível.
Além do abuso, rejeição, ou covardia, uma forma do pai ser seriamente defectivo é simplesmente não estar presente. Muitas crianças, é claro, interpretam a morte de seu pai como um tipo de traição ou ato de deserção. Nesse aspecto é notável que o padrão de um pai morto é tão comum na vida de muitos ateus proeminentes.
Baron d'Holbach (nascido como Paul Henri Thiry), o racionalista francês e provavelmente o primeiro ateu confesso publicamente, ficou órfão aos 13 anos e viveu com seu tio. (De quem ele tomou o nome Holbach). O pai de Bertrand Russel morreu quando ele tinha quatro anos; Nietzsche tinha a mesma idade de Russell quando perdeu seu pai; o pai de Sartre morreu antes de Sartre nascer e Camus tinha um ano quando perdeu seu pai. (As informações bibliográficas foram tiradas de fontes de referência padrão). Obviamente, muito mais evidências podem ser obtidas para a hipótese do "pai defectivo". Mas as informações já citadas são substanciais; improváveis de serem uma mera coincidência.
A psicologia de como um pai falecido ou não-existente poderia fornecer base emocional para o ateísmo pode não ser clara a primeira vista. Mas se o pai de alguém é ausente ou fraco a ponto de morrer, ou tão indigno a ponto de deserdar, então não é difícil colocar os mesmos atributos no Pai celeste.
E por ultimo, há também a experiência precoce de sofrimento, morte, de mal, algumas vezes aliadas à raiva contra Deus por permitir que tais coisas acontecessem. Raiva precoce contra Deus pela perda do pai e o sofrimento subseqüente é ainda outra e diferente psicologia da descrença, mas estreitamente ligada com a teoria do pai defectivo.
Parte dessa psicologia é clara na recente autobiografia de Russell Baker. (Baker, 1982) Russel Baker é um famoso jornalista e escritor comediante do New York Times. Seu pai foi levado para o hospital e morreu subitamente quando Russel tinha cinco anos. Baker chorou e sofreu e falou para a governanta de sua casa, Bessie:
... Pela primeira vez eu pensei seriamente sobre Deus. Entre soluços eu disse a Bessie que se Deus podia fazer coisas como essas às pessoas, então Deus era detestável e eu não precisava dEle.
Bessie me falou sobre a paz no céu e a alegria de estar entre os anjos e a felicidade de saber que meu pai já estava lá. O argumento falhou em aliviar minha ira.
"Deus ama a nós todos como Seus próprios filhos", Bessie disse.
"Se Deus me ama, por que Ele fez meu pai morrer?"
Bessie disse que eu entenderia algum dia, mas ela estava apenas parcialmente certa. Aquela tarde, apesar de eu não ter conscientemente formulado dessa forma, eu decidi que Deus estava muito menos interessado nas pessoas do que qualquer um em Morrisonville admitiria. Naquele eu decidi que Deus não era confiável.
Após isso eu nunca mais chorei com convicção real, nem esperei muito do Deus de qualquer um além de indiferença, nem amei profundamente sem medo de que isso me custasse uma profunda dor. Aos cinco anos eu me tornei cético...(Growing Up, p. 61).
Concluo lembrando que por mais que existam motivos superficiais que prevaleçam no ateísmo do individuo, os fatores psicológicos profundos e perturbadores ainda estão presentes em muitas instâncias também. Por mais fácil que seja afirmar a hipótese do "pai defectivo", não podemos esquecer a dificuldade, a dor e a complexidade que estão por trás de cada caso individual. E para aquele cujo ateísmo foi condicionado por um pai que o rejeitou, negligenciou, odiou, manipulou ou o abusou física ou sexualmente, tem que haver compreensão e compaixão. Certamente uma criança odiar o próprio pai é algo trágico. Apesar de tudo, a criança deseja amar seu pai. Para qualquer descrente cujo ateísmo repousa em tal experiência, o crente, abençoado pelo amor de Deus, deve orar mais especificamente para que no final ambos se encontrem no paraíso. Encontrem e experimentem grande alegria. Se for assim, talvez o ex-ateu experimentará ainda mais alegria do que o crente. Pois, além da felicidade do crente, o ateu ainda terá o incremento de se surpreender rodeado de alegria e, entre todos os lugares, na casa de seu Pai.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Adler, M. (1976). Philosopher at large. New York: Macmillan.
Adler, M. (1980). How to think about God: A guide to the twentieth century pagan. New York: Macmillan.
Baker, R. (1982). Growing up. New York: Congdon & Weed.
Feuerbach, L. (1891/1957). The essence of Christianity. Ed. and abridged by E. G. Waring & F. W. Strothman. New York: Ungar.
Freud, S. (1910/1947). Leonardo da Vinci, New York: Random.
Freud, S. (1927/1961). The future of an illusion. New York: Norton.
Freud S. (1923/1962). The ego and the id. New York: Norton.
Freud S. & Pfister, 0. (1963). Psychoanalysis and faith: The letters of Sigmund Freud and Oskar Pfister. New York: Basic.
Gedo, J. E. & Pollock, G. H. (Eds.). (1967). Freud: The fusion of science and humanism. New York: International University.
Graddy, W.E. (1982, June). The uncrossed bridge. New Oxford Review, 23-24.
Krull, M. (1979). Freud und sein Vater. Munich: Beck. Murray, W.J. (1982). My life without God. Nashville, TN: Nelson.
Vitz, P.C. (1983). Sigmund Freud's attraction to Christianity: Biographical evidence. Psychoanalysis and Contemporary Thought, 6, 73-183.
Vitz, P.C. (1986). Sigmund Freud's Christian unconscious. New York: Guilford, in press.
Vitz, P.C. & Gartner, J. (1984a). Christianity and psychoanalysis, part 1: Jesus as the anti-Oedipus. Journal of Psychology and Theology, 12, 4-14.
Vitz, P.C., & Gartner, J. (1984b). Christianity and psychoanalysis, part 2: Jesus the transformer of the super-ego. Journal of Psychology and Theology, 12, 82-89.
NOTA DE RODAPÉ
¹Address: New York University, Department of Psychology, 6 Washington Place, New York 10003.
²Eu sei que há uma continuação para a história de Adler. Recentemente ouvi falar que há aproximadamente 2 anos atrás Adler se tornou Cristão-Anglicano.
sábado, 27 de dezembro de 2014
Mais um mito educacional derrubado: royalties do petróleo não ajudam a melhorar o ensino
![]() |
(Fonte da imagem: R7) |
Não é nenhuma novidade para os leitores deste blog que vejo com ceticismo - para dizer o mínimo - em relação a algumas assertivas apresentadas pelo mainstream educacional brasileiro, sobretudo por docentes e alguns gestores da área. Também não fui o único por aqui a abordar esta questão e, tanto especialistas da área (Gustavo Ioschpe, por exemplo, já fala do tema com anos-luz de distância em relação a este que vos escreve) como meros palpiteiros Quando o Plano Nacional de Educação foi aprovado no início de junho, fiz um comentário neste espaço dizendo que o emprego de 10% do PIB para a área (previsto até 2024) não implicaria necessariamente em melhoria nos hoje pífios indicadores, seja em nível nacional ou internacional. Seguindo a mesma linha de raciocínio, o emprego dos royalties do petróleo para o sistema de ensino também não significa o elixir para que tenhamos o mesmo em nível análogo de uma Coreia do Sul, Cingapura ou mesmo Finlândia, apenas para citar exemplos de países que são referência no setor. E hoje, uma matéria da Folha de S. Paulo desmonta justamente este mito (como se faltasse exemplos anteriores sobre a questão). Segue abaixo a reportagem. Volto para comentar.
"Pesquisas sobre o efeito de gastos em educação têm se tornado mais comuns no Brasil à medida em que os investimentos no setor aumentam.
Esses estudos recentes tendem a confirmar evidências encontradas por pesquisadores de fora que indicam que o aumento de gastos não garante melhorias.
O trabalho da economista Joana Monteiro – que também chegou a essa conclusão – foi apresentado há duas semanas no seminário "Financiamento e gestão da educação no Brasil" na Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Segundo Fernando Veloso, um dos organizadores do evento, há um conjunto amplo de evidências de que simplesmente aumentar despesas não tem efeito imediato.
Veloso afirma que o gasto por aluno no Brasil aumentou 2,5 vezes (descontada a inflação) desde o início da década passada. A maior parte dos recursos foram direcionadas ao ensino básico.
![]() |
(Fonte da imagem: Folha de S. Paulo) |
O economista ressalta que, apesar do aumento, o avanço da qualidade da educação, medido pela Prova Brasil, foi limitado. As notas indicam melhoria contínua nos anos iniciais do ensino fundamental. Nos anos finais desse ciclo e no ensino médio, no entanto, o progresso foi modesto e, em 2013, as metas não foram atingidas.
Segundo economistas, a dificuldade em atingir melhoras significativas com mais investimentos em educação está associada principalmente a falhas de gestão.
Em seu recém lançado livro "Repensando a educação no Brasil", João Batista Oliveira estima que o desperdício dos investimentos em educação no Brasil é de, no mínimo, 50%. [...]
Ele cita como desperdício o fato de que, no Brasil, os professores usam 60% do tempo letivo para lecionar contra 85% nos países desenvolvidos, segundo um estudo de pesquisadores do Banco Mundial. O elevado índice de repetência é outro exemplo, segundo Oliveira.
Para Oliveira e Veloso, embora o Brasil já tenha um patamar relativamente elevado de gastos com educação, os investimentos terão, de fato, de aumentar mais para dar conta de mudanças necessárias como ampliação da educação integral e melhoria da educação infantil.
O problema, dizem, é que é preciso corrigir as falhas de gestão antes que isso ocorra.
"Enquanto as ineficiências não forem corrigidas, não adianta aumentar investimentos. Eles serão desperdiçados", diz Oliveira, que é fundador e presidente do Instituto Alfa e Beto (IAB).
De volta
Os dados, apesar de lamentáveis, não são nenhuma novidade: é evidente que o problema na educação brasileira se devem mais à gestão dos recursos aplicados, e não ao fato de ter mais ou menos deste último item. Isso fica evidente pelo fato dos indicadores utilizados na pesquisa (anos de estudos e resultados nas provas de português e matemática) mostrarem que os municípios "abençoados" pelos royalties de petróleo terem avanços no máximo iguais aos não produtores. Aliás, o que também não é nenhuma surpresa são municípios que ganham na "loteria" do ouro negro e que, mesmo assim, apresentam péssimos indicadores não só relacionados à educação, mas também à saúde, segurança pública, políticas sociais, entre outros. Inclusive tem um caso recente aqui no Espírito Santo, estado onde moro. Mais precisamente, em Presidente Kennedy, localizada no Extremo Sul capixaba.
Também é espantoso - apesar de também não ser surpreendente - o fato do desperdício de recursos (não só financeiros, mas também humanos) na área. Admitindo a hipótese mais otimista de Oliveira, se investíssemos 10% do PIB na educação e, por alguma força do destino, conseguíssemos alcançar os indicadores educacionais da Coreia do Sul (Top 10 da área), estaríamos alcançando esse feito com o dobro da fatia da soma das riquezas do país em relação ao país asiático. Ou, em outras palavras, supondo que nós alcançássemos os sul-coreanos, teríamos que investir 10% do PIB "PMPO" para termos 5% "RMS", exatamente o mesmo patamar investido atualmente lá. Isso claro, supondo que não haja absolutamente nenhum desperdício por parte dos orientais.
Mas é obvio que apesar dos fatos demonstrarem o contrário, sindicatos e boa parte dos gestores ligados à educação continuarão com a ladainha de que o problema é a "falta de investimento". E caso estoure novas greves em nível nacional - o que é nem um pouco improvável, dando que o ano que vem será dedicado a um duríssimo ajuste fiscal - esse discurso será repetido infinitas vezes. E, dado o nível de visão - ou da falta dela - dos brasileiros em relação à economia e aos gastos públicos, muitos comentaristas de Twitter e Facebook reproduzirão bovinamente a ideia de que "falta dinheiro para a educação". Como em outros casos, se a teoria não se ajusta aos fatos, estes que se danem.
sexta-feira, 26 de dezembro de 2014
Estatismo: uma questão de fé
“O estado é a grande ficção da qual todo mundo se esforça para viver às
custas de todo mundo.” ―Frederic Bastiat
O mentalidade estatista , resultante da descrença no transcendente(uma
manifestação da “fé metastática” Voegeliniana) e na perda da fé é uma das
maiores mazelas dos nossos tempos. Mesmo quando confrontados com as críticas
devastadoras feitas pelos economistas das Escolas Austríaca e de Chicago ao
intervencionismo, com a história inteira das catástrofes econômicas e sociais
patrocinadas pelo Estado nos séculos XX e XIX, os brasileiros não perdem a fé no
Estado como entidade redentora da sociedade, que resolverá os problemas dela. Não é
coincindência que os países com mais liberdade e menos Estado são os melhores
pra se viver. É sem sombra de dúvidas uma questão de fé.
Insistir
em um Estado “caridoso” e “generoso” é como falar em “assalto virtuoso”. Ou
você irá dizer que tirar dinheiro das pessoas compulsoriamente via impostos
para dar a terceiros(tomando parte para si, pois alguém precisa sustentar o
funcionário público) é “solidariedade”? E convenhamos, ser solidário com o dinheiro
alheio não é solidariedade. Os burocratas não são uma espécie de “casta
iluminada” que consegue saber quais são os anseios e vontades de todos os
indivíduos e possuem um intelecto superior para gerir as coisas com uma
eficiência extraordinária. Na verdade, a história nos mostra justamente o
contrário: a incompetência estatal em administrar qualquer coisa é uma
constante. Diante dessa situação, uma coisa é evidente: o
ônus da prova está do lado dos estatistas, não dos liberais e conservadores.
Além da questão da eficiência, há a questão moral, pois o Estado funciona a base
de impostos, ou seja, da coerção. É moralmente legítimo tirar à força o
dinheiro de quem tem para dar para "ajudar" os outros(tomando sempre para si uma parte,
pois o aparelho redistributivo tem que se manter)? Pelo que parece, se
adicionarmos uma pitada do discurso demagógico sobre “justica social”, “luta de
classes”, “bem comum”, “função social da propriedade” ou contra o “grande
capital”, o “neoliberalismo” e as “elites
opressoras”, tudo se legitima.
De
fato, o que se nota é o surgimento de uma religião secular, a seita estatista,
que acredita que por meio do Estado é possível realizar o "triunfo da justiça,
da igualdade e da liberdade", através da redistribuição da riqueza e da "conquista e construção de direitos"(como diria a dona Chauí). É o velho mito do almoço grátis somado à idéia de que a
economia é um jogo de soma zero, onde quando um ganha, o outro perde. Como o
Estado com seus burocratas fará o planejamento da sociedade, guiando ela em
direção ao futuro brilhante( é no mínimo estranho que durante o processo, os
planejadores serão os detentores de um poder e um controle muito maior do que
aquele que eles advogavam ser necessário destruir) é algo
que jamais foi esclarecido. Como essa elite planejadora irá descobrir e saciar
as necessidades dos milhões de indivíduos completamente distintos, com anseios
e vontades que mudam a cada instante é um mistério. E no fim, se pararmos pra
pensar, é necessário que não se saiba mesmo qual é o caminho para o “futuro
brilhante”, aquele mesmo futuro que G. K. Chesterton afirmou, em mais uma sacada
genial: uma sociedade tão boa que ninguém precisará ser bom. O discurso é
sempre o mesmo: “o problema são as pessoas que estão lá no governo e na
política, se trocassemos por outras mais virtuosas seria melhor”. No fim, o que
querem é trocar uma elite de burocratas que no passado foi chamada
de iluminada, por uma nova elite de burocratas mais iluminados ainda. Não
preciso nem falar aonde isso vai dar, né?
http://forumdaliberdade.com.br/indice-de-liberdade-economica/
quinta-feira, 25 de dezembro de 2014
Vamos falar de Foucault
A postagem não se trata de um Foucault par lui même, já que o francês sempre detestou que outros o definissem. Ele preferia chamar seu trabalho de uma "arqueologia do saber". D'où parles tu? Para nosso querido gauchiste, a importância não está no que você diz, mas por que você diz. Trocado em miúdos e adiante, Foucault, o Michel, se entranha por todo tipo de área na busca da gênese do poder. Em outras palavras, todas as pessoas estariam engajadas, em suas ações, pela necessidade de ter poder umas sobre as outras. Portanto, Foucault disseca desde a Renascença (período para ele no qual o homem realmente se tornou homem) boa parte das instituições ocidentais àquela mesma guisa dos intelectuais da Île-de-France com sua vie bohème a café, liquor da revolução. Nem mesmo a medicina é poupada (Foucault era filho de médico), colocada à ótica da queridíssima Social-text. O Nascimento da Clínica (1963), por exemplo, é um dos livros no qual Foucault argumenta que o papel do nosocômio e seus hipocráticos nada mais é que reestabelecer normalidade ao indivíduo patológico, de forma que a prática clínica é na verdade uma terrível atitude de observação e punição da moléstia por meio do paciente. O Hospital (bendita criação humana!), dessa forma, é um ambiente de exclusão da sociedade. E aí começa toda a lacrimosa fala gauche em favor dos oprimidos.
A análise inquietante de Foucault se estende aos institutos militares e penitenciárias (Vigiar e Punir), se utilizando dos termos de Jeremy Bentham (1785) sobre uma prisão ideal que poderia observar a todos os seus internos (panóptico), coisa similar ao grande irmão de George Orwell no livro 1984 (ao trocar os dígitos, o livro foi escrito em 1948!). A graça é que Orwell buscou justificar os erros da URSS por meio de sua obra, de forma a condená-la. Já Foucault e a Nova Esquerda, como gosta de dizer Roger Scruton, buscam nos erros soviéticos as novas bases para atualizar o marxismo. Nesse sentido, muito bem analisada por Eric Voeglin é a mistura entre esquerdismo e gnosticismo, de forma que Marx, ademais, não é ulterior a um mero botão no jardim das aflições. A esquerda (gauchiste) francesa trabalhou fortemente na coisa nenhuma, sendo seu maior trunfo os protestos, à Sorbonne, de maio de 1968, quando nas ruas de Paris a juventude escrevia "é proibido proibir". Embriogênese desnaturada de nossos militantes que, a símile, esboçam "não mereço ser estuprada" e "constituinte já!" às ruas da cidade. É interessante que a França, com muito gosto, foi um Estado socialista no mínimo desde 1985 juntamente com a Espanha, coisa muito pouco analisada quando, à época (e até hoje por filósofos como Dugin de Moscou) se estampava Ocidente x Oriente, como se o mundo bipolar e o terceiromundismo (outra invenção às esquerdas por Immanuel Wallerstein) realmente existissem.
A análise inquietante de Foucault se estende aos institutos militares e penitenciárias (Vigiar e Punir), se utilizando dos termos de Jeremy Bentham (1785) sobre uma prisão ideal que poderia observar a todos os seus internos (panóptico), coisa similar ao grande irmão de George Orwell no livro 1984 (ao trocar os dígitos, o livro foi escrito em 1948!). A graça é que Orwell buscou justificar os erros da URSS por meio de sua obra, de forma a condená-la. Já Foucault e a Nova Esquerda, como gosta de dizer Roger Scruton, buscam nos erros soviéticos as novas bases para atualizar o marxismo. Nesse sentido, muito bem analisada por Eric Voeglin é a mistura entre esquerdismo e gnosticismo, de forma que Marx, ademais, não é ulterior a um mero botão no jardim das aflições. A esquerda (gauchiste) francesa trabalhou fortemente na coisa nenhuma, sendo seu maior trunfo os protestos, à Sorbonne, de maio de 1968, quando nas ruas de Paris a juventude escrevia "é proibido proibir". Embriogênese desnaturada de nossos militantes que, a símile, esboçam "não mereço ser estuprada" e "constituinte já!" às ruas da cidade. É interessante que a França, com muito gosto, foi um Estado socialista no mínimo desde 1985 juntamente com a Espanha, coisa muito pouco analisada quando, à época (e até hoje por filósofos como Dugin de Moscou) se estampava Ocidente x Oriente, como se o mundo bipolar e o terceiromundismo (outra invenção às esquerdas por Immanuel Wallerstein) realmente existissem.
A terra do Foucault é a mesma de Nossa Senhora de la Salette e de Simone de Beauvoir, a mãe das feministas. Michel Foucault, com sua arqueologia do (des)saber, ao lado de Lacan, Derrida, Sartre, Deleuze et al. muito contribuíram para a redundância do nada. Quem quiser encontrar críticas satisfatórias às suas obras, recomendo o mais novo lançamento em português de Roger Scruton, Pensadores da Nova Esquerda, e o Imposturas Intelectuais, de Alan Sokal e Jean Bricmont, que são praticamente uma onda de dessabor a toda Intelligentsia pós-estruturalista.
Essa apresentação seminal poderá prosseguir posteriormente. Vale lembrar, antes da partida, o corolário não inédito para os leitores da obrigatoriedade de Foucault em faculdades de direito e até de medicina. O francês, ao buscar em cada instituição (igrejas, mosteiros, hospitais, hospícios, presídios...) a razão de sua existência, encontrou simplesmente a necessidade de normalizar o indivíduo, de forma que aqueles que não se encaixavam nos padrões sociais burgueses tivessem que ser excluídos. Qualquer livro dele retrata esse ponto de vista (Nascimento da Clínica, Vigiar e Punir, História da Loucura, Microfísica do Poder etc.). É a velha tese marxista do discurso de classe. À francesa, retoricamente à pergunta d'où parles tu?, se poderia responder "não importa o conteúdo de minha fala, mas a qual classe eu pertenço". O mel que passa pela boca de Foucault é o mesmo de Dugin, para os interessados.
segunda-feira, 22 de dezembro de 2014
Ambientalismo, A Carta da Terra e a Zumbificação Espiritual
![]() |
Eis o resultado da colonização "ambiental" das mentes e dos espíritos dos cristãos |
Já se passaram algumas décadas desde que o mundo - em especial o hemisfério ocidental - começou a ser alertado sobre os perigos decorridos do mal uso dos recursos naturais pelo homem moderno.
Desde então, a chamada "causa ambiental" (ou "causa ambientalista") cresceu, ganhou as proporções planetárias pretendidas inicialmente e foi elevada à status de assunto obrigatório na maioria dos debates políticos (talvez todos) e dos circulos intelectuais mundo afora. Além disso a causa ambiental passou a ser critério influente e decisivo na competitividade das empresas de um modo geral, que devem sempre zelar pelo "desenvolvimento sustentável", do contrário sofrem severas sanções ou punições. O meio artístico também não escapou ileso do "boom" ambientalista e filmes como "Na Natureza Selvagem" de Sean Penn, ou o aclamado "Avatar" de James Cameron são apenas dois exemplos da devoção hollywoodiana à "causa".
Não há dúvidas de que a preservação e a utilização prudente dos recursos naturais são imperativos a serem observados sempre. Nenhum ser humano com um pingo de bom senso (pelo menos os que conheço) argumentaria em contrário. Mas se engana completamente quem pensa que o afã atual pela preservação do planeta seja um expontâneo despertar de lucidez que de repente aplacou toda a população mundial.
Um documento em especial serve para mostrar o quanto tal "comoção" e as campanhas ambientalistas são, pelo menos no meio de seus financiadores e principais divulgadores, dissimulada. Trata-se da chamada Carta da Terra, incorporada pela UNESCO em 2003, mas que começou a ser idealizada no início dos anos 90 por duas organizações, o Conselho da Terra e a Cruz Verde Internacional. Esta última é chefiada por ninguém menos que ex-líder da extinta União Soviétita Mikhail Gorbachev, que em 1997 fez uma declaração que não deixa à ninguém dúvidas sobre as reais intenções contidas no documento, nem deixa dúvidas quanto aos métodos que pretendem usar pôr em prática seu conteúdo:
"O mecanismo que usaremos será a substituição dos Dez Mandamentos pelos princípios contidos na presente Carta ou Constituição da Terra"[1].
Se você não acreditou, pode ler de novo, de novo e de novo...
O prefácio da Carta deixa explícito quais são os princípios que a norteiam (o grifo é meu):
"A humanidade é parte de um vasto universo em evolução. A Terra, nosso lar, está viva como uma comunidade de uma vida única. As forças da natureza fazem da existência uma aventura exisgente e incerta, mas a Terra proveu as condições essenciais para a evolução da vida. A capacidade de resistência da comunidade de vida e o bem-estar da humanidade dependem da preservação da biosfera saudável, com todos os seus sistemas ecológicos, uma rica variedade de plantas e animais, solos férteis, águas puras e ar limpo. O meio ambiente global, com seus recursos finitos, é uma preocupação comum à todos os povos. A proteção da vitalidade, diversidade e beleza da Terra é um dever sagrado"[1].
Qualquer cristão bem avisado já pôde sentir em suas narinas o cheiro de enxofre exalado pelo conteúdo panteísta do trecho acima. Caso alguém ainda não tenha percebido tal conteúdo, o mesmo é endossado e confirmado pelo discurso de Leonardo Boff, militante ambientalista e ex-frade franciscano, proferido diante da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 22 de abril de 2009 (os grifos são meus):
"Desde a mais alta ancestralidade, as culturas e religiões sempre têm testemunhado a crença na Terra como Grande Mãe, Magna Mater, Inana e Pachamama. Os povos originários de ontem e de hoje tinham e têm clara consciência de que a Terra é geradora de todos os viventes. Somente um ser vivo pode produzir vida em suas mais diferentes formas. A Terra é, pois, nossa Mãe Universal [...] Não é que sobre a Terra haja vida. A Terra é mesma viva, chamada de Gaia, a deusa grega para significar a Terra viva. Efetivamente, a Terra é Mãe fecunda [...] Para esta tarefa figantesca somos inspirados por um documento precioso: a Carta da Terra. Nasceu da sociedade civil mundial. Em sua elaboração foram envolvidas mais de cem mil pessoas de 46 países. Em 2003 uma resolução da UNESCO apresentou-na como um instrumento educativo e uma referência ética para o desenvolvimento sustentável. Participaram ativamente de sua concepção Mikhail Gorbachev, Maurice Strong, Steven Rockfeller e eu mesmo, entre outros. A Carta entende a Terra como dotada de vida e como nosso Lar Comum. Apresenta pautas concretas que podem salvá-la, cuidando-a com compreensão, com compaixão e com amor, como cabe a toda mãe. Oxalá, um dia, esta Carta da Terra possa ser apresentada, discutida e enriquecida por esta Assembléia geral. Caso seja aprovada, teríamos um documento oficial sobre a dignidade da Terra [...]"[1]
Acredito ter ficado claro nas citações e nos grifos destacados qual é a intenção norteadora dos idealizadores da Carta: estabelecer uma religião global fundamentada no culto universal à Terra, suplantando (como diria Hans Küng) principalmente as religiões ditas "tradicionais" e "fundamentalistas", que apenas ferem a "Grande Mãe". E para quê tal objetivo é estabelecido? Para a legitimação da implantação de um Governo Mundial, a restauração do antigo sonho de Nimrode malogrado pela confusão das línguas imposta por Deus, Javé (YHWH), dificuldade que os apóstolos da "Terra" agora querem superar com a "bênção" de uma outra divindade, Gaia. Só assim, acreditam, alcançarão a "paz mundial".
Caso isso ainda soe como um absurdo, deixo aqui outra fala de Leonardo Boff, para suplantar todas as dúvidas residuais:
"As religiões abraâmicas são as mais violentas, porque acreditam ser portadoras da verdade, como o Papa em Ratisbona. O que é necessário é a espiritualidade, não os credos e as doutrinas"[1].
Para quem já pesquisou sobre a ONU e as doutrinas que motivaram sua fundação, entre as quais a Teosofia de Blavatski, nada disso soa estranho. A substituição das religiões tradicionais, em especial o Cristianismo, por uma religião global que cultua a "Terra" é um objetivo importante na implantação de um governo mundial porque os tais "apóstolos" sabem muito bem que são os aspectos religiosos que dão sentido à vida das pessoas em todos os seus questionamentos e dúvidas, sejam materiais, espirituais e também psicológicos. Eles sabem que não há civilização sem um mito fundador, e que sem ele, qualquer tentativa de criá-la resulta no aparecimento de leviatãs bestiais e sanguinários como o Nazismo e o Comunismo. Um mito fundador, nas palavras de Olavo de Carvalho[2], "não é uma ideologia", não é "um discurso que não compreende a realidade, mas motiva os homens a substituir uma realidade que compreendemos mal por outra da qual não vão compreender nunca". Um mito fundador "é uma verdade inicial compactada que, no desenrolar da história, vai desdobrando o seu sentido e florescendo sob a forma de ciência, de leis, de valores, de civilização", e "constitui-se, em geral, da narrativa simbólica de fatos que efetivamente sucederam, fatos tão essenciais e significativos que acabam por transferir parte do seu padrão de significado para todo o que venha a acontecer em seguida numa determinada área civilizacional". O filósofo ainda completa dizendo que "os esquemas narrativos da literatura superior são os padrões de autocompreensão imaginativa de uma civilização. E os padrões de autocompreensão imaginativa são, por sua vez, os esquemas de ação possíveis". Ou seja, o mito fundador está tanto no fundo de toda a compreensão que uma civilização tem de si mesma quanto de todas as suas possibilidades de ação. Vale lembrar também que os grandes impérios mundiais da antiguidade sempre buscaram a unidade religiosa, utilizando-a como um fator de coesão civilizacional. Para citar exemplos, no Império Romano existia o mito fundador de Rômulo e Remo, e a civilização ocidental tem a Bíblia como mito fundador.
Exatamente por ser a Bíblia o mito fundador do ocidente é que os "apóstolos" de Gaia querem substituí-lo, pois sabem que não há no Cristianismo lugar para o culto à natureza. O Cristianismo é a religião oriunda dos ensinamentos de Cristo, e crê fundamentalmente que Ele é o Deus encarnado, o Logos manifestado em carne, o "verbo vivo", do qual deriva toda a realidade universal física e espiritual. Crê que estamos "dentro" de Deus. Como diria Paulo, "nEle vivemos, nos movemos e existimos". O Deus que é ao mesmo tempo transcendente e imanente não pode ser substituído por absolutamente nada. Isso fica claro, por exemplo, na carta do apóstolo Paulo aos Romanos, quando referindo-se aos cidadãos daquela cidade, diz que
"os atributos invisíveis de Deus, assim como seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais homens são, por isso, indesculpáveis; porquanto, tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; antes se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato. Incultando-se por sábios, tornaram-se loucos, e mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e répteis [...] pois eles mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a criatura em lugar do Criador, o qual é bendito eternamente. Amém." (Romanos 1:20-23 e 25; o grifo é meu).
No antigo testamento, Isaías profetizou que "Eu sou o Senhor, este é o meu nome; a minha glória, pois, não darei à outrem" (Isaías 42:8). Ambas as citações são obtidas da tradução Almeida Revista e Atualizada da Bíblia.
Tendo ciência disso, se firma como imperativa aos "apóstolos da Terra" a tarefa de destruir o Cristianismo, ou então de esvaziarem-no de todo o seu conteúdo. Parece que optaram pela segunda opção, pois perceberam que a primeira é um mero corolário dela. Para cumprir tal tarefa, entretanto, não partem para o confronto direto, mas valem-se de vários sortilégios e estratagemas, dentre os quais o principal é subverter a linguagem cristã. Alterando (por meio de técnicas de transformação semântica que lembram a construção da novilíngua orwelliana) o sentido de palavras como "amor", "perdão", "união" e "fraternidade" retirando delas o valor e o sentido que lhes foi conferido pela própria experiência da vida de Cristo e da história de seus seguidores, impingem-nas significados vazios com pretenso sentido ético. O resultado disso é nefasto: doutrinas de profundo significado espiritual passam a ser identificadas com um moralismo político oco, com algum valor prático mas sem nenhum valor espiritual.
A partir daí, a colonização de mentes - e consequentemente de espíritos - se torna fácil, e a transformação de cristãos em meros zumbis políticos à serviço da nova ética e propagadores da nova religião se torna mera questão de tempo. A denominação "zumbis" não é por acaso. Estes, na ficção, são amontoados mortos de células que, embora possuam cabeça, esta é desprovida do funcionamento do órgão que os permite alcançarem o nível mais profundo de humanidade e autoconhecimento, e daí buscam qualquer coisa viva (ainda que sob o invólucro de carne, ossos e sangue) que os alimente e os mantenha em pé, numa atração e esfomeamento que denota uma possível lembrança da vida realmente humana que um dia conheceram. No nosso caso, o cristão, o templo do Espírito Santo, quando desprovido dos dispositivos linguísticos que o permitam alcançar por meio da busca sincera e genuína e através de sua cognição e desse mesmo Espírito, seu nível mais humano e ao mesmo tempo mais transcedental, Cristo (a Cabeça da Igreja), transfiguram-se em meros autômatos espirituais, que ao menor sinal de vida plena, expresso ainda que por palavras já esvaziadas de conteúdo, e num lampejo de lembrança da luz que um dia conheceram, apressam-se esfomeadamente a defender qualquer coisa que esteja sob o rótulo de tais palavras, a fim de saciarem seus espíritos semi-mortos. Assim surgem as "Marias do Rosário" ou mesmo os "Hans Küng" da vida, que alegando e acreditando serem cristãos autênticos, defendem qualquer baboseira em nome do "amor", do "perdão", da "união" e da "fraternidade", ainda que em detrimento do Cristianismo que julgam representar. Se autoproclamando detentores e propagadores do verdadeiro evangelho, fazem questão de associarem a si mesmos, de forma raivosa e canina, qualquer coisa que esteja associada à vida plena em Cristo. Já sem vida espiritual, devoram a espiritualidade alheia. Daí a defenderem regimes tirânicos e totalitários desprovido de qualquer valor moral ou espiritual transcendente é um mero pulo.
Eis o belíssimo "paraíso" que os apóstolos da "Terra" prometem e vários cristãos - mesmo de forma subconsciente - estão desejando: um mundo rosáceo, "amoroso", "unido", onde todos são iguais e ninguém pode sequer querer ser diferente, sob pena de ser taxado como um "fundamentalista" nojento e insuportável. Um mundo onde a "Terra" está viva e o ser humano está morto, e não passa de um boneco de barro solto por aí, que em algum momento da "evolução" e por um mero capricho de Gaia se tornou de carne e osso, e deve ser descartado tão logo esta perceba que o tal não lhe serve, ainda que sequer tenha saído do útero que o gera. Eis a "Magna Mater", a gentil mãe, cujo ventre é o gerador universal dos mortos-vivos.
Referências:
[1] "Poder Global e Religião Universal". Mons. Juan Claudio Sanahuja. Ed. Ecclesiae, 2012.
[2] "O Mínimo Que Você Precisa Saber Para Não Ser Um Idiota". Olavo de Carvalho. Ed. Record, 2013; 8ª edição.
Assinar:
Postagens (Atom)